Tomás
de Aquino - O pregador da razão e da prudência
Doutor
da Igreja inverteu prioridades no pensamento medieval, dando ênfase ao mundo
real e ao aprendizado pelo raciocínio.
Biografia

Período exige
abertura da igreja para o mundo
Tomás
de Aquino é uma figura simbólica de seu tempo na medida em que representou como
ninguém a tensão entre a tradição cristã medieval e a cultura que se formava no
interior de uma nova sociedade. Uma das respostas da Igreja a uma necessidade
crescente de abertura para o mundo real foi a criação das ordens mendicantes,
que, sem bens, vivem da caridade, ao mesmo tempo que se voltam para o socorro
dos doentes e miseráveis. As duas ordens mendicantes surgidas na época foram a
dos franciscanos, fundada por São Francisco de Assis (1181/2-1226), e a dos
dominicanos, por São Domingos de Gusmão (1170-1221). Tomás de Aquino se filiou
aos dominicanos. Outra característica dessa fase histórica foi o nascimento das
universidades, que se tornaram o centro das discussões teológicofilosóficas, em
particular na Universidade de Paris, onde o pensador estudou e lecionou. O
ensino nessas instituições se assentava na divisão de disciplinas entre trívio
e quadrívio, sistema que remonta à Antigüidade clássica. O quadrívio, que
corresponderia às atuais ciências exatas, agrupava aritmética, geometria,
astronomia e música, e o trívio, aparentado à idéia de ciências humanas, reunia
a gramática, a retórica e a dialética. As discussões do período, no entanto, em
breve levariam a um questionamento dos conceitos científicos vigentes.
Depois
de oito séculos marcados por uma filosofia voltada para a resignação, a
intuição e a revelação divina, a Idade Média cristã chegou a um ponto de tensão
ideológica que levou à inversão quase total desses princípios. O
personagem-chave da reviravolta foi São Tomás de Aquino (1224/5-1274), o grande
nome da filosofia escolástica (leia quadro abaixo), cujo pensamento privilegiou
a atividade, a razão e a vontade humana.
Numa
época em que a Igreja ainda buscava em Santo Agostinho (354-430) e seus
seguidores grande parte da sustentação doutrinária, Tomás de Aquino formulou um
amplo sistema filosófico que conciliava a fé cristã com o pensamento do grego
Aristóteles (384-322 a. C.) - algo que parecia impossível, até herético, para
boa parte dos teólogos da época. Não se tratava apenas de adotar princípios
opostos aos dos agostinianos - que se inspiravam no idealismo de Platão
(427-347 a. C.) e não no realismo aristotélico - mas de trazer para dentro da
Igreja um pensador que não concebia um Deus criador nem a vida após a morte.
A
porção mais influente da obra de Aristóteles havia desaparecido das bibliotecas
da Europa, embora tivesse sido preservada no Oriente Médio. Ela só começou a
reaparecer no século 12, principalmente por meio de comentadores árabes,
conquistando grande repercussão nos círculos intelectuais. As idéias de
Aristóteles respondiam melhor aos novos tempos do que o neoplatonismo. Vivia-se
o período final da Idade Média e a transição de uma sociedade agrária para um
modo de produção mais orientado para as cidades e a atividade comercial.
Avanços tecnológicos, principalmente relacionados aos instrumentos de trabalho,
começavam a influir na vida das pessoas comuns e os trabalhadores urbanos se
organizavam em corporações (guildas).
Valorização da
matéria
Aristóteles,
em sua obra, punha a razão e a investigação intelectual em primeiro plano. A
realidade material era considerada a fonte primordial de conhecimento
científico e mesmo de satisfação pessoal. "Tomás afirma que há no ser
humano uma alma única, intrinsecamente unida ao corpo", diz Luiz Jean
Lauand, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
"Era uma idéia revolucionária para uma época marcada pelo espiritualismo
de Santo Agostinho, que trazia consigo certo desprezo pela matéria."
Tomás
de Aquino realizou um trabalho monumental numa vida relativamente curta. Sua
obra mais importante, apesar de não concluída, é a Suma Teológica, na qual revê
a teologia cristã sob a nova ótica, seguindo o princípio aristotélico de que
cabe à razão ordenar e classificar o mundo para entendê-lo. Eis o princípio
operacional do tomismo, como é chamada a filosofia inaugurada por Tomás de
Aquino.
A
relação entre razão e fé está no centro dos interesses do filósofo. Para ele,
embora esteja subordinada à fé, a razão funciona por si mesma, segundo as
próprias leis. Ou seja, o conhecimento não depende da fé nem da presença de uma
verdade divina no interior do indivíduo, mas é um instrumento para se aproximar
de Deus. "Segundo Tomás, a inteligência é uma potência espiritual",
afirma Lauand.
Essência a
desenvolver
De
acordo com o filósofo, há dois tipos de conhecimento: o sensível, captado pelos
sentidos, e o intelectivo, que se alcança pela razão. Pelo primeiro tipo, só se
pode conhecer a realidade com a qual se tem contato direto. Pelo segundo,
pode-se abstrair, agrupar, fazer relações e, finalmente, alcançar a essência
das coisas, que é o objeto da ciência. O processo de abstração que vai da
realidade concreta até a essência universal das coisas é um exemplo da
dualidade entre ato e potência, princípio fundamental tanto para Aristóteles
quanto para a filosofia escolástica.
Para
extrair das coisas sua essência, é necessário transformar em ato algo que elas
têm em potência. Disso se encarrega o que Tomás de Aquino chama de inteligência
ativa - em complementação a uma inteligência passiva, com a qual cada um pode
formar os próprios conceitos. A idéia, transportada para a educação, introduz
um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu tempo: o de que o
conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente transmitido pelo
professor. "Tomás nos lega uma filosofia cuja característica principal é
uma abertura para o conhecimento e para o aluno", diz Lauand.
Como
o filósofo vê em todo ser a potência e o ato (apenas Deus está acima da
dicotomia, sendo "ato puro"), a noção de transformação por meio do
conhecimento é fundamental em sua teoria. Cada ser humano, segundo ele, tem uma
essência particular, à espera de ser desenvolvida, e os instrumentos
fundamentais para isso são a razão e a prudência - esse, para Tomás de Aquino,
era o caminho da felicidade e também da conduta eticamente correta."A direção da vida é competência da pessoa e Tomás mostra que não há
receitas para agir bem, porque a prudência versa sobre atos situados no aqui e
agora", declara Lauand.
Cidades ganham
importância e novas escolas
Com
sua teoria do conhecimento, que "convoca" a vontade e a iniciativa de
cada um na direção do aperfeiçoamento, São Tomás de Aquino legou à educação
sobretudo a idéia de autodisciplina. Foi essa a marca do ensino cristão, que
alcançaria sua máxima eficiência, em termos de doutrinação, com os jesuítas, já
no século 16. Embora a obra de Tomás de Aquino apontasse para o
auto-aprendizado, a idéia não foi abraçada pelas rígidas hierarquias da Igreja
Católica. No período em que o filósofo viveu, a religião seguia sendo a
principal fonte de instrução, como em toda a Idade Média. Sobreviviam as
escolas monásticas em mosteiros afastados da cidade, que inicialmente visavam a
formação de monges, mas depois também de leigos das classes proprietárias. Com
o surgimento da economia mercantil nas cidades, aparecem também as escolas
episcopais, urbanas, destinadas a formar o clero secular (aquele que
participava da vida social) e leigos. A palavra latina schola ganhou, nessa
época, o significado de centro de encontro e de estudos. Vem daí o adjetivo
escolástico, relativo à filosofia da época.
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