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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Limites epistemológicos da gestão/administração e da gestão democrática

 


Tendo em conta a natureza do trabalho, e por uma questão de rigor metodológico, teremos como primeira tarefa estabelecer um diálogo que visa esclarecer alguns conceitos, que poderão posteriormente causar mal entendidos. Por isso, tentaremos delimitar epistemologicamente, os conceitos de gestão como administração (gestão/administração) e a gestão democrática participativa, numa tentativa de estabelecer a natureza e os limites epistemológicos de cada conceito, sistematizando as semelhanças e diferenças dentro do nosso campo de estudo.

Iniciaremos o diálogo entre os conceitos fazendo a clarificação do conceito de gestão e administração, para depois nos atermos detalhadamente no objeto de estudo, ou seja, a gestão democrática e participativa nas escolas públicas.

Os conceitos gestão/administração[1] têm origem latina (gerere e administrare). Assim, subjacente ao primeiro conceito, (gestão) está subentendido as ações de governar, conduzir, dirigir. E, subjacente ao segundo conceito (administração) estão às ações de gerir um bem, defendendo os interesses daquele que o possui – constituindo-se em uma aplicação do gerir. De acordo com Andrade (2001), a palavra portuguesa, gestão, em seu sentido original, vem do termo latino “gestio”, que expressa à ação de dirigir, de administrar e de gerir a vida, os destinos, as capacidades das pessoas e as próprias coisas que lhes pertencem ou que delas fazem uso. Segundo o que foi visto, podemos compreender a gestão como sendo um conjunto de funções burocráticas, destituídas de uma visão humanística e participativa e corporativa, onde as ações estão voltadas para a orientação do planejamento e distribuição de bens e da produção desses bens.

 Fica fácil entender que, a visão tradicional do paradigma da gestão/administração foi ultrapassada tendo em conta os novos desafios que a sociedade contemporânea exige dos sistemas educativos.
Para Heloísa Lück, a mudança mais significativa que se pode registrar é a do modo como enxergamos a realidade e de como dela participamos, estabelecendo sua construção. No geral, em toda a sociedade, observa-se o desenvolvimento da consciência de que o autoritarismo, a centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do dividir para conquistar, do perde-ganha, estão ultrapassados, por conduzirem ao desperdício, ao imobilismo, ao ativismo inconsequente, à irresponsabilidade por atos e seus resultados e, em última instância, à estagnação social e ao fracasso de suas instituições. (Lück, Heloísa, 2000)

Sendo assim, surgiu um novo paradigma de gestão dos estabelecimentos de ensino, onde o foco é a participação efetiva de todos os integrantes, ou seja, a gestão democrática e participativa[2], como fator de transformação de concepções e ideias ultrapassadas e enraizadas no sistema educacional que apesar do legado, já não satisfaz os desejos e as ambições de todos os que estão direta ou indiretamente ligados à educação, principalmente à rede pública. 

É nesse âmbito de quebra de paradigma[3], que surge então o conceito de gestão democrática e participativa, cujo termo encerra em si o caráter democrático e participativo. Pode parecer redundante a utilização das expressões citadas, mas é uma redundância importante, uma vez que, reforça as dimensões mais importantes da gestão democrática, sem a qual esta não se efetiva de forma coerente. Essa forma de gestão (democrática) valoriza a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisões, apostando na construção coletiva dos objetivos e do funcionamento da escola através do diálogo e do consenso (LIBÂNEO, 2005).

Assim, contrariamente a gestão/administração, a gestão democrática permite superar a limitação da fragmentação e da descontextualizarão e construir ações articuladas frutos de uma participação efetiva e de um trabalho feito em equipe. Portanto, ela pressupõe que o processo educacional se transforma e se torna mais competente na medida em que seus participantes tenham consciência de que são responsáveis pelo mesmo, buscando ações coordenadas e horizontalizadas (Lück, 2006).

A gestão democrática participativa exige inexoravelmente, uma “mudança de mentalidade” de todos os membros da comunidade escolar, com vista a efetivação de políticas educacionais coerentes com a realidade e as demandas da sociedade e das escolas públicas, apesar das barreiras inerentes a esse processo. Assim, segundo Gadotti: 
A democratização da gestão da escola constitui-se numa das tendências atuais mais fortes do sistema educacional, apesar da resistência oferecida pelo corporativismo das organizações de educadores e pela burocracia instalada nos aparelhos de estado, muitas vezes associados na luta contra a inovação educacional (GADOTTI, Moacir 1994, p.6).

A participação de todos, nos diferentes níveis de decisão, é um imperativo essencial para assegurar o eficiente desempenho da escola e dos seus membros e consequentemente atingir a autonomia[4] da unidade escolar, suas condições internas e externas. Assim, a medida que a coexistência e a consciência social se desenvolve e se materialize, o dever vai se transformando em vontade coletiva, capaz de unir opiniões divergentes e incongruentes na consecução de objetivos e metas comuns, possíveis de serem alcançados, mediante a entrega e a participação de todos.

Conforme Lück (2001), os diretores participativos baseiam-se no conceito da autoridade compartilhada, cujo poder é delegado aos representantes da comunidade escolar e as responsabilidades são assumidas por todos.

Por isso, a gestão democrática implica novos processos de organização baseados numa dinâmica que favoreça os processos coletivos e participativos de decisão[5]. No entanto, para que a participação seja realidade, são necessários meios e condições favoráveis, para repensar a cultura escolar e os processos, autoritários, de distribuição do poder no seu interior. Nessa direção, é fundamental ressaltar que a participação não se decreta não se impõe e, portanto, não pode ser entendida apenas como mecanismo formal/legal (BRASIL, 2005, p.15).


Referência: 
IN: ROCHA, Arlindo Nascimento.Desafios da Gestão Democrática na Escola Pública:“Emergência de um novo paradigma para responder os desafios da educação atual” Monografia de Pós-Graduação, UCP/IPETEC, 2015, 70p.


[1] Segundo o Dicionário Interativo da Educação Brasileira a expressão “Gestão” está relacionada à atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias para garantir o avanço dos processos socioeducacionais dos estabelecimentos de ensino orientadas para a promoção efetiva da aprendizagem pelos alunos. O conceito de gestão escolar foi criado para superar um possível enfoque limitado do termo administração escolar. Foi constituído a partir dos movimentos de abertura política do país, que começaram a promover novos conceitos e valores, associados, sobretudo à ideia de autonomia escolar, à participação da sociedade e da comunidade, à criação de escolas comunitárias, cooperativas e associativas e ao fomento às associações de pais. Assim, no âmbito da gestão escolar, o estabelecimento de ensino passou a ser entendido como um sistema aberto, com uma cultura e identidade própria, capaz de reagir com eficácia às solicitações dos contextos locais em que se inserem [...]; relativamente a administração, de acordo com FERREIRA et al. (2000), ela se divide em três blocos históricos: a) Teorias tradicionais de gestão; b) Teorias modernas de gestão; c) Teorias emergentes de gestão. A primeira tem o engenheiro norte-americano, Frederick Winslow Taylor, como o seu idealizador principal, com a criação da escola de Administração Científica, e o francês Henri Fayol, criador da Escola Clássica de administração. Além desses, podemos citar ainda Elton Mayo e a Escola de Relações Humanas, as teorias X e Y de MecGregor e a Teoria Sistêmica, defendida pelo alemão Ludwig von Bertalalanffy. No segundo bloco de teorias, as modernas, destacam a Administração Por Objetivos (APO), defendida por Peter Drucker, em 1954, com a célebre obra “A Prática da Administração das Empresas” [...]. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Gestão escolar" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002.  

[2] Ultrapassada o paradigma da gestão/administração, tradicionais, era preciso respaldar legalmente o novo paradigma emergente, ou seja, a gestão democrática e participativa. Assim, esforços foram realizados para que fossem consagrados na constituição brasileira e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, alguns artigos que defendessem e incentivassem a generalização da gestão democrática participativa em todas as instituições educativas brasileiras. Assim, a Constituição Federal de 1988, disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acessado em20/02/2015, estabelece, no seu artigo 206, <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650554/artigo-206-da-constituicao-federal-de-1988>, que a forma de gestão da educação brasileira deve ser a democrática e participativa, como atesta o inciso VI do referido artigo: “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Já no artigo 3º, inciso VIII, da (LDB) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/ 96, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>, acessado em20/02/2015, diz que a gestão do ensino público deve ser democrática, respeitando a forma da lei e da legislação dos sistemas de ensino. No artigo 14 dessa mesma lei estabelece que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público, na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996). Nesse sentido, evidencia-se a forma democrática e participativa que deve assumir a gestão escolar, ensejando que os sistemas de ensino possam organizar e adaptar a gestão pública escolar, conforme o contexto em que ela está inserida. Por isso, a democracia, em boa parte do mundo e, em particular, no nosso país, vem propiciando maior liberdade e autonomia de expressão e participação nas tomadas de decisões para as políticas sociais, apesar de merecer uma reflexão mais profunda a respeito [...]  

[3] [...] um paradigma significa um tipo de relação muito forte, que pode ser de conjunção ou disjunção, que possui natureza lógica entre um conjunto de conceitos-mestre. É um tipo de relação dominadora é que determinaria o curso de todas as teorias, de todos os discursos controlados pelo paradigma. Segundo Perrenoud, o paradigma resultante a prática pedagógica, como afirma, tem que assumir o desafio de superação da reprodução e fragmentação do conhecimento, promovendo o resgate do ser humano em sua totalidade, considerando as suas inteligências múltiplas contemplando os trabalhos coletivos e a participação crítica e reflexiva dos alunos, tornando-os pesquisadores e produtores autônomos do seu próprio conhecimento. PERRENOUD (2000); para Moacyr Xavier Filho, a mudança de paradigma nos possibilita acompanhar as transformações, aumentar nossa percepção do mundo, desenvolver uma nova mentalidade.   as mudanças são aceleradas e precisamos nos adaptar a elas, mudar nossos padrões interiores, mudar para um novo jogo, com um conjunto de regras, o que envolve tanto coragem quanto intuição. (XAVIER Filho, 1995, p.2).

[4] De acordo com o Dicionário Aurélio, autonomia é a faculdade de se governar por si mesmo; direito ou faculdade de um país se reger por leis próprias; emancipação; independência; sistema ético segundo o qual as normas de conduta provêm da própria organização humana. (HOLLANDA, Aurélio 1983, p. 136)
[5] Para pensar a relação entre os sujeitos e as instâncias de participação, é preciso dar especial atenção aos CEE, CME e CNE. A organização dos conselhos necessita, pois: superar a fragmentação comumente existente nos órgãos colegiados, articulando suas diferentes funções em um conselho de educação fortalecido; equilibrar a função normativa com a de acompanhamento e avaliação da sociedade; trazer a discussão de políticas para os conselhos; instituir uma composição que reconheça a pluralidade de saberes e contribuições, de modo a refletir a diversidade dos agentes e sujeitos políticos do campo educacional e para além deles; estabelecer que os mandatos dos conselheiros e das conselheiras não sejam coincidentes com os dos gestores; proibir que o exercício da presidência do conselho seja exercido por integrantes do poder executivo; ampliar iniciativas comprometidas com o desenvolvimento da capacidade e o fortalecimento da função de conselheiro; e, na medida do possível, vincular a representação da sociedade a um fórum permanente (municipal, estadual ou nacional) de educação. CONAE (2010), Constituição do Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional da Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação, p. 29. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/conae/documento_referencia.pdf>, acessado em 19/03/2015.