"Age
como se a máxima da tua ação fosse para ser transformada, através da tua
vontade, em uma lei universal[...]" [Immanuel Kant].
Arlindo Nascimento Rocha[1]
Atualmente, quando se fala em ‘função pública’,
logo pensamos (genericamente) em um conjunto de atribuições que podem e devem ser
desempenhadas por ‘agentes públicos’, podendo ser em funções temporárias ou em
cargos de confiança. A isso vem associado um conjunto de julgamentos que muitas
vezes não abonam em favor da nobre missão que é de servir com responsabilidade,
transparência e integridade nas diversas esferas da governança.
O termo ‘agente’ (do latim agens)
refere-se ao sujeito da ação, isto é, àquele que exerce uma determinada ação.
Na lei brasileira o ‘agente público’ segundo a Lei no
8.429/02/01/1992 em seu Art. 2° “é todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função (…)”. No entanto, é preciso frisar que existem outros tipos
de vínculos: servidor público, empregado público, terceirizados (...). Sendo
assim, a categoria ‘agente público’ contempla todos os servidores, ou seja,
todos que exercem funções a nível federal, estadual e municipal.
A Lei que regulamenta esse tipo de contratação é a 8.754/1993
que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender ao interesse
público, como está previsto na Constituição Federal, em seu
Art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.”
No Inciso IX reafirma-se que: “a lei estabelecerá os casos de contratação por
tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional
interesse público.”
No desempenho das suas atribuições, os agentes
públicos, principalmente os que ocupam funções administrativas ou de chefia, deparam-se
com situações em que é preciso tomar determinadas decisões. Mas, nem sempre são
pautadas nas melhores práticas. Boas decisões exigem discernimento, integridade,
honestidade, mas, sobretudo, o exercício das virtudes éticas. Esse exercício requer
que todo o agente público, aja com decência, ou seja, virtuosamente, pois, são
eles que estão na linha de frente, lidando com recursos públicos. Diante das inúmeras
demandas, são eles a tomar as melhores decisões com a finalidade de garantir o
bem comum, baseado em padrões e princípios éticos de probidade, decoro e boa-fé,
sendo que, este último princípio tem a função de estabelecer o padrão ético e de
conduta dos agentes públicos.
Mas, o que significa ser virtuoso ou agir virtuosamente?
Na ética aristotélica, a virtude desempenha um papel central na busca do télos
(finalidade), através da prática de boas ações que visam o bem de todos. Logo,
ser virtuoso significa agir em prol do bem comum, ou seja, em prol da
comunidade. Na esteira de Aristóteles, pode-se elencar três características para
que um agente público possa ser considerado virtuoso: deve ter consciência da
justiça; agir motivado pela própria ação; e, agir com absoluta certeza da
justeza do seu ato. Portanto, quanto mais exercitar suas virtudes, mais
virtuoso será.
Nesse caso, o estagirita considerava a virtude como
o ‘meio-termo’ entre dois perigosos extremos, ou seja, uma espécie de
mediedade, na medida em que visa um meio entre o excesso e a falta. A
semelhança do que afirmou em sua obra Ética a nicômaco, o agente público
deve ser visto como alguém que tenha boa reputação, pois, deve praticar a virtude
acima de tudo. Logo, precisa ser um bom exemplo de cidadania, integridade e
honestidade. Como a mulher de Cesar, não basta o agente ser honesto, deve
parecer honesto, pois, só se torna virtuoso e ético convivendo e relacionando
com os outros.
Por isso, não basta apenas praticar atos virtuosos,
é preciso que se tenha uma conduta virtuosa, sabendo e querendo fazê-la.
Virtuosidade não deve ser confundida com um simples ato voluntário ou uma
opinião. Por isso, é necessário organizar um novo referencial de orientação do
comportamento do agente público, em que prevaleça “(...) o bem de todos, sem
preconceitos (...)”, como está explícito na Constituição Federal em seu Art.
3º, Inciso IV.
Mas, o grande desafio na função pública é ter esse
equilíbrio para encontrar efetivamente esse ‘meio-termo’, ou seja, esse ‘caminho-do-meio’
baseado no esforço contínuo para exercer uma função com sabedoria, integridade
e honestidade, valores que são cruciais à sociedade. Mesmo assim, não se deve
esquecer que esse caminho também pode ser o da mediocridade. Nesse sentido, a
fronteira entre ser íntegro ou não, está na capacidade de lidar com os quereres
dos outros e encontrar a justa proporção entre uma decisão rígida, porém, justa
ou uma decisão benévola, mas sem efeito prático na transformação do
comportamento ético do agente.
Diante da complexificação das relações laborais no
contexto do funcionalismo público brasileiro em geral, é observável, em certos
casos, atitudes e comportamentos que muitas vezes espelham desvios de conduta,
fraudes e corrupção no que tange a inobservância dos limites legais que cada agente
deve exercer suas funções. No entanto, nos últimos anos o Brasil vem seguindo a
tendência mundial, relativamente aos debates em torno de questões éticas que
envolvem a administração pública. Aliás, como vimos anteriormente, o Art. 37 da
Constituição Federal, enfatiza claramente os princípios fundamentais que visam
garantir os aspectos éticos e de transparência.
É nesse sentido que a ética e a deontologia
profissional tornaram-se fundamentais, pois, hodiernamente são duas
áreas de conhecimento que evidenciam a possibilidade de recuperar determinados
valores profissionais que ao longo do tempo foram colocados de parte, em
consequência da crise que assola a sociedade como um todo.
Etimologicamente, ética (do grego ethos, ‘costume’,
‘hábito’ ou ‘caráter’) como conhecemos hoje, está associada diretamente a ideia
de virtude. Essa ideia, como vimos, foi
defendia inicialmente por Aristóteles, o primeiro a tratar a ética como campo
de conhecimento associado ao modo de regulação do comportamento dos indivíduos.
Além dele, outras figuras importantes como Maquiavel, Espinoza, Jeremy Bentham,
Stuart Mill, Kant e Nietzsche também refletiram sobre o tema em suas respetivas
épocas.
Apesar disso, ética em seu sentido lato,
continua sendo um conceito polissêmico, aliás, é um daqueles conceitos que
todos conhecem e usam, mas não sabem explicar. Regra geral, é considerada uma
ciência da conduta humana. No entanto, pode ser concebida de duas formas diferentes:
a que considera como ciência do fim para qual a conduta humana deve ser
orientada e os meios para atingir tal fim; e a que considera a ciência
do móvel da conduta e procura determinar tal móvel com vista a
disciplinar essa conduta. Mas, atualmente existe consenso entre os estudiosos
que a ética é uma filosofia prática que procura regulamentar a conduta, tendo
em vista o desenvolvimento humano, uma vez que procura aperfeiçoar seu caráter
através de atos que se orientam pela retidão, isto é, a concordância entre a ação,
a verdade e o bem comum.
Tornou-se também, um imperativo falar em ‘deontologia
profissional’, sobretudo, como referência à noção de dever ético ou
professional. O termo deriva do grego deontos/logos e significa o estudo
dos deveres que surgiu a partir da necessidade da autorregulagem de condutas
profissionais. O termo, segundo o filósofo Italiano Nicola Abbagnano, começou a
ser usado em 1834 por meio da obra póstuma de Bentham Deontology or the
science of morality. Inicialmente era usado para designar uma ciência do
‘conveniente’, ou seja, uma moral fundada na tendência a perseguir o prazer e
fugir da dor [...].
A tarefa do deontólogo, diz Bentham, é ensinar ao
homem como dirigir suas emoções de tal modo que as subordine ao seu bem-estar.
Contrariamente à ideia de Bentham, na filosofia moral (séc. XX) passou-se a
falar em ‘éticas deontológicas’ ou do ‘dever’. Um exemplo desse tipo de ética é
a kantiana que prescreve o ‘dever’ pelo ‘dever’, uma crítica ao utilitarismo
benthamiano, como adverte Michael Sandel, pois, fundamenta-se no respeito e na
dignidade da pessoa humana.
De modo geral, a deontologia profissional é entendida
como a forma de reger os comportamentos profissionais visando alcançar bons
resultados, garantir a confiança e proteger a reputação do agente público.
Reger os comportamentos, significa orientar a atuação do agente na execução de
atos administrativos a bem do interesse público, sempre com base em valores
regidos pela ética profissional.
Por isso, deve ter como sustentáculo os princípios
ou normas exigíveis e exequíveis por todos os agentes, ainda que não estejam
regulamentadas pelas leis vigentes. Em razão disso, os códigos deontológicos ampliam
o sentimento ético. Em certos casos, ética e deontologia são inseparáveis e
muitas vezes usadas como sinónimos. Mas, ética não se reduz à deontologia,
pois, é preciso ir além do mero cumprimento das normas deontológicas.
Nesse sentido, e, voltando a Aristóteles, o bom
agente público deve desenvolver todas as virtudes profissionais e humanas,
exercitadas através da profissão. Logo, todos devem exercer seus deveres com zelo,
dignidade, decoro e integridade tendo consciência que os princípios éticos são
primados maiores que norteiam o serviço público, seja no exercício do cargo ou
fora dele. A semelhança do que disse Kant, todos devem agir como se a máxima da
ação de cada um pudesse ser transformada
em uma lei universal como forma de escapar dos aspectos subjetivos do
utilitarismo e compreender que o valor ético das ações está ligado à motivação
do agente e não às consequências do ato.
Para finalizar, reafirma-se que ética e deontologia
profissional dizem respeito a todos que trabalham nos diversos níveis da função
pública, independentemente da posição hierárquica que ocupam. É importante que
todos atuem em consonância com os princípios normativos estabelecidos e que
haja controle sobre seus atos. Por isso, torna-se um imperativo a criação de
uma política de gestão ética por meio de ações que promovam continuamente a
integridade na função pública.
Sejamos
todos éticos e íntegros no trabalho, na vida, até a eternidade!
Artigo publicado originalmente em: CLIQUE AQUI
Referências
ABAGNANNO, Nicola.
Dicionário de filosofia. – 5ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ARISTÓTELES. Ética
a nicômaco. [PDF]. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão
inglesa de W. D. Ross: Nova cultural, 1991.
BRASIL. Constituição
Federal. - 6ª ed. Até a EC n. 57. – Barueri, SP: Manole, 2009. – (Códigos
2009).
BRASIL. Lei nº 8.429,
de 2/07/1992. (Capítulo I, Artigo
2). Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm#:~:text=L8429&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20san%C3%A7%C3%B5es%20aplic%C3%A1veis,fundacional%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art>.
Acesso em 24/04/2021.
CARAPETO, Carlos;
FONSECA, Fátima. Ética e Deontologia - Manual de Formação. [PDF] - (ISBN
978-972-99919-1 -2), Lisboa, 2012.
SANDELM, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. – 21ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
[1] Atua como Consultor do Núcleo de
Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos:
coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD,
2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo
fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se:
coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários
artigos publicados em revistas acadêmicas.
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