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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Confúcio: plantando harmonia e virtude em meio à discórdia

Confúcio foi um pensador e filósofo chinês que viveu entre 551-479 a.C cujo nome é sinônimo da Filosofia Oriental (chinesa, coreana e japonesa). De origem modesta, Confúcio nasceu numa família humilde. Seu pai faleceu quando ele tinha apenas três anos. Assim, crescendo em relativa pobreza, teve uma série de empregos (pastor de rebanhos, escriba, guarda-livros), por isso, a humildade foi e continua sendo uma virtude central das culturas confucianas.  


Apesar da origem humilde, Confúcio alcançou uma posição de poder em sua vida adulta que o possibilitou a persuadir vários governantes que governar pela virtude era superior a governar pela coerção. Ele dedicou as últimas décadas da sua vida ao magistério, e, por isso, ele estabeleceu um enorme legado que viria a definir o caráter filosófico da cultura Oriental, de modo que, sua influência no Oriente chega a superar a influência de Aristóteles no Ocidente, pois, seu projeto tratava-se da compreensão das leis e sua aplicação na via cotidiana.



Na doutrina de Confúcio não há um Deus, uma unidade criadora e muito menos templos ou igrejas. Seu objetivo era a busca da harmonia da vida e do mundo. Ele falava de ‘meu Tao’ e aconselhava os seus discípulos a dedicarem inteiramente ao Tao, pois, segundo ele, se um homem escutasse o Tao de manhã e morresse à noite, ele não teria vivido em vão. O Tao é a harmonia predominante no universo, ou seja, o relacionamento equilibrado entre todas as coisas que deve servir de modelo para a sociedade. 



Ele acreditava que a natureza e o universo estão sempre em harmonia, e que isso deve se aplicar também ao homem. Portanto, os homens devem viver em compreensão e harmonia. Para esse fim, o homem precisa de conhecimento e compreensão que podem ser obtidas pelo conhecimento da tradição, pois, para ele, o homem era naturalmente bom e que todo mal brota da falta de conhecimento. Por isso, a educação implica transmitir conhecimentos corretos.

Na sua formação foram importantes quatro obras acessíveis a ele na altura: O livro das mutações (aprendeu a seguir o caminho do ‘Tao’); O livro das odes (aprendeu a reverenciar o amor em suas manifestações poéticas e humanistas); O livro da história (aprendeu a venerar a ancestralidade); O livro da música (aprendeu a sintonizar com as vibrações que sustentam o universo). Mas, foi o ‘Tao’ conforme revelado à ele no livro das mutações, que permeou seu pensamento e deu forma ao seu sistema de ética e virtude.

Confúcio encorajava o comprometimento com a aprendizagem por toda a vida. Sua mensagem é que nascemos para aprender, em vez de permanecer em estado de ignorância. Mas, segundo ele, a busca do saber pelo saber, pode fechar a mente e não conseguir abrir o coração. Então, sabendo pouco ou muito, o mais importante é o que cada um faz com o que sabe na prática da virtude, pois, alguns praticam a virtude através do aprendizado, e outros, além.

Ele acreditava que a compreensão humana desenvolve-se através da interação entre teoria e prática, por isso, precisamos de teorias sólidas para formar nossas atividades práticas, para progredirmos como seres humanos. Por isso, a manutenção da ordem equilibrada depende da harmonia entre as teorias das circunstâncias mutáveis e da prática das virtudes imutáveis. 


MARINOFF, Lou. O caminho do meio. Trad. de Paulo Andrade Lemos e Márcia Sobreiro. - São Paulo: Editora Record, 2008.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Reflexões pela ocasião da morte de um jovem


Podemos dizer que é penoso, mas as palavras nem dão conta de tanta dor. A fragilidade do ser humano nem sequer estabelece distinção entre velhos e jovens.” (Trecho da Carta da Ossada Branca do Mestre Rennyo)


A morte por si só afeta a todos nós, independente de já termos ou não testemunhado uma experiência tão dolorosa, que é a perda de um ente querido. Mas a dor dessa perda nos afeta muito mais intensamente quando a morte nos leva embora de forma sorrateira, imprevisível e tão definitivamente uma pessoa jovem. Resta em nós um sentimento de prejuízo, de revolta, de que fomos iludidos. O falecimento de uma pessoa idosa, doente ou incômoda, apesar de tudo, nos consola pelo sentimento de alívio, para nós e para quem partiu, pelo sentimento de dever cumprido, de uma vida longa e plena. Mas quando a morte atinge uma pessoa jovem, que deixa projetos em andamento, filhos pequenos, pais vivos e tantas possibilidades, tanto potencial a ser desenvolvido, tanta vida a ser vivida… escancara-se a realidade de que basta estar vivo para morrer.

Resta-nos uma sensação de termos sido enganados, como se nestes casos, a Vida fosse um grande estelionato. Vêm-nos à mente frases prontas como: uma mãe jamais deveria morrer jovem, tanta gente ruim nesse mundo que merecia ser morto em lugar de morrer bons cidadãos, os pais jamais deveriam enterrar os filhos… Entendemos que o natural é jovens enterrando seus velhos, gente boa sendo premiada com vida longa e os maus sendo castigados com a morte inexorável. Isso tudo me faz lembrar de uma fala de algum ‘filmeco’ de madrugada insone, em que apenas uma frase valeu mais do que o contexto total do filme: “nada é como deveria ser”. A frase resume a impermanência da vida, o nosso apego e o consequente sofrimento, conceitos pregados pelo Buda. O “deveria ser” das frases acima, é resultado de conceitos e valores próprios de cada um, de nosso apego, e quando os fatos contradizem os ideais que “deveriam ser”, vem o sofrimento. Esquecemos da impermanência, única regra que é concomitantemente a sua própria exceção.

A morte inquestionavelmente é o mais democrático e não preconceituoso dos acontecimentos, é a única certeza que temos na vida, pois esta, certa neste exato momento, é uma incógnita no momento seguinte. Nas palavras do Mestre Rennyo: “nosso corpo, que pela manhã ostenta faces rosadas, ao entardecer pode estar transformado em uma ossada branca”.

Não se pode ter a pretensão de que os ensinamentos do Budismo podem melhor confortar e conformar àqueles que se deparam com uma morte “injusta”, posto que dor é sempre dor, mas que a partir dessas reflexões, talvez possamos nos limitar a chorar a dor da separação causada pela morte, desobrigando-nos de suportar a sensação de perda desnecessária e injusta, para que a morte de uma pessoa jovem nos faça refletir o quanto a vida é frágil, e que merece ser vivida em plenitude, seja longa ou curta, pois a vida individual está inserida num contexto muito maior, que é a Vida Imensurável. E que essa vida encerrada prematuramente, possa estar agora unida à Vida e Luz Infinitas, vivificando-nos até o dia em que a dor se transforme em lembrança, e que enfim, possamos nos reencontrar na Terra Pura do Buda Amida.

Só nos resta, em meio às lágrimas, juntar nossas mãos e recitar:

Namu Amida Butsu.

Fonte: Jigme Wangchuck. Reflexões pela ocasião da morte de um jovem. Publicado em 14/01/2014. Disponível em <https://sobrebudismo.com.br/reflexoes-sayuri/>. Acesso em 21/08/2019. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Pelos caminhos da academia



Queridos companheiros de luta, trago palavras que gostaria de ter ouvido (ou lido) antes. Uma das coisas mais importantes que aprendi com meu orientador foi “texto é texto”. Texto não é você, não é um pedaço seu, não reflete sua vida, é apenas um produto que você gera. Artigo não expressa sua trajetória, não demonstra os seus esforços, não abarca toda sua competência, não cita os sacrifícios que você fez ou horas que se dedicou. Não saber é mais que normal, se sentir atrasado ou incompetente, por causa de avaliação ou comentários, faz parte, mas não deveria. Porque a formação é processual, lenta e progressiva. 


Não precisamos nos comparar (ou ser comparados) de forma depreciativa com aquele cara incrível que tem 30 anos de carteira e uma escrita perfeita. Não precisamos achar (e ser taxados) que somos pequenos quando vamos escrever um texto e percebemos que não conhecemos metade dos conceitos e temas sobre os quais gostaríamos de falar. Repertório não nasce da noite para dia, escrita é treino, articulação, sentido e coerência vêm com o tempo. 


Impõem-nos prazos e padrões de qualidade com os quais até mesmo a academia sabe que não somos capazes de cumprir, porque todos os grandes já estiveram no lugar de iniciantes em que nos encontramos agora. Vejo que colocam metas gigantes pra extrair de nós o máximo que conseguirem o que é bastante cruel. Mas, não façam isso a vocês mesmos. 

Ao ler seus próprios textos e ao receber críticas, não se taxem, não se rebaixem, não se depreciem. Um texto fraco não marca (ou não deveria marcar) um pesquisador como fraco. Uma análise errada, não te faz incompetente. Sentir necessidade de ampliar o repertório não quer dizer que você não estude ou que deva se matar devorando livros pra alcançar um ideal acadêmico (que, cá entre nós, nunca se esgota). 

Mesmo os grandes cometem erros, mesmo os consagrados falam asneiras, mesmo os mundialmente conhecidos começaram em algum lugar. Não se sinta mal ou se compare com seu colega estrelinha, o das maiores notas ou o que é aprovado pra todos os congressos, ele não tem as mesmas limitações, carga de trabalho, horas livres pra estudar, formação ou responsabilidades que você. 

Não gosto do sistema onde nos inserimos, mas (ainda) não posso mudá-lo. O que eu posso dizer é que se você está na graduação, acabou de passar no mestrado ou ainda não concluiu seu doutorado, somos todos iniciantes. Estamos dezenas de anos atrás das pessoas que lemos ou que nos ensinam. Melhorar leva tempo, críticas ruins acontecem, reprovar e até ser excluído de programa são possibilidades (eu mesma levei 7 anos pra sair da graduação e fui reprovada em 3 editais até ser ‘o super primeiro lugar’). 

Mas nada disso define você, nada disso impede (ou não deveria impedir) que amanhã você cresça e que daqui 30 anos novos iniciantes estejam lendo você. Não permitam que a academia os adoeça, não deixem que ela abale sua identidade. Por mais difícil que seja, aproveite o que for construtivo e não acredite no que for cruel; e contem comigo quando precisarem. 

Fonte: Facebook de “Lorena Porto”, publicado em 15 de julho de 2018. Disponível em < https://www.facebook.com/lorena.porto3/posts/1749744308446727>. acesso em 20/08/2019. 


domingo, 18 de agosto de 2019

‘Filosofia do Gato’, uma crônica adorável de Rubem Alves

OLHO PARA O MEU GATO e medito. Medito teologias. Diziam os teólogos de séculos atrás que a harmonia da natureza deve ser o espelho em que os seres humanos devem buscar suas perfeições. O gato é um ser da natureza. Olho para o gato como um espelho. Não percebo nele nenhuma desarmonia. Sinto que devo imitá-lo. 

Camus observou que o que caracteriza os seres humanos é a sua recusa a serem o que são. Eles não estão felizes com o que são. Querem ser outros, diferentes. Por isso somos neuróticos, revolucionários e artistas. Do sentimento de revolta surgem as criações que nos fazem grandes. Mas nesse momento eu não quero ser grande. Quero simplesmente ter a saúde de corpo e de alma que tem o meu gato. Ele está feliz com a sua condição de gato. Não pensa em criações que o farão grande. 

Deitado ao lado do aquecedor (que manhã mais fria!), ele se entrega, sem pensar, às delícias do calor macio. Nesse momento, ele é um monge budista: nenhum desejo o perturba. 

Desejos são perturbações na tranquilidade da alma. Ter um desejo é estar infeliz: falta-me alguma coisa, por isso desejo… Mas para o meu gato nada falta. Ele é um ser completo. Por isso pode se entregar ao calor do momento presente sem desejar nada. E esse “entregar-se ao momento presente sem desejar nada” tem o nome de preguiça. Preguiça é a virtude dos seres que estão em paz com a vida. 

Por pura brincadeira, escrevi um livrinho sobre demônios e pecados. Os demônios continuam soltos pelo mundo do jeito que sempre estiveram. Só que agora fazem uso de disfarces. Até se rebatizaram com nomes diferentes, científicos. Lidando com os demônios, usei palavras filosóficas e psicanalíticas de exorcismo. Lidando com os pecados, usei palavras éticas de condenação. 

Tudo ia muito bem até que cheguei ao pecado da preguiça. Preguiça é fazer nada. Nossa tradição religiosa nada sabe da espiritualidade oriental do taoísmo, que faz do “fazer nada”, wu-wei, a virtude suprema. 

E aí, então, aquilo que deveria ser uma condenação do pecado da preguiça virou um elogio às delícias e virtudes da preguiça. 

Alguém disse que preferia os gatos aos cachorros porque não há gatos policiais. Policiais existem para fazer cumprir a lei, o dever. Dentro de mim, desgraçadamente, mora aquele cão policial a que Freud deu o nome de superego: ele rosna ameaças e culpas todas as vezes em que me deito na rede. 

Meu gato, na sua imperturbável preguiça, me dá uma lição de filosofia. Não me dá ordens. Ele deve ter aprendido do Tao-Te-Ching, que diz que o homem verdadeiramente bom não faz coisa alguma… 

Estou velho e quero que me seja dado o privilégio de me entregar à filosofia do meu gato: fazer nada. Com consciência limpa, repetir com Fernando Pessoa: “Ai que prazer não cumprir um dever. Ter um livro para ler e não o fazer…”. 

Assim, proponho que se acrescente aos direitos humanos já escritos, um outro, para os velhos: “Todos os velhos têm o direito à felicidade da preguiça”. Pois, como o Riobaldo disse: “Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso…”. 

Assim,

“vou descansar meu fardo no chão,
À margem do rio…
Não vou mais me preocupar com a guerra…
Vou pôr no chão minha espada e meu escudo,
À margem do rio…”. 


ALVES, Rubem .Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo. Editora Planeta, 2012. 

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Importância da FILOSOFIA em múltiplas acepções



Por: Elton Luiz Leite de Souza*


1. A filosofia não nasceu na Grécia. Ela foi deixada lá ainda criança, tal como aqueles bebês deixados à porta de alguém que inspira confiança. Inclusive, a tez da filosofia é mais escura e mestiça do que a branca pele grega. Há quem diga que seus pais eram Egípcios; outros afirmam que foram os Assírios que a conceberam; e há quem defenda ainda que os pais da filosofia foram os nômades povos do deserto que se guiavam pelas estrelas e que nenhum império, por mais que tentasse, conseguiu prender e escravizar. A porta em que a filosofia foi deixada para ser cuidada pertencia à casa de um homem digno chamado Tales, que deu o nome de Sofia à criança. Ele a criou e a ensinou a ficar de pé. Com Heráclito Sofia aprendeu a brincar; com Nietzsche, a dançar; e a fazer-se mais viva Sofia aprendeu com Espinosa, diante dos obscurantistas que a querem morta.

2. Quando alguém cobra honestidade dos políticos, este alguém está a filosofar, pois está exigindo uma virtude ética: a honestidade. E Ética é uma disciplina da filosofia. Quando alguém diz: “o que esse cara fala não tem lógica!”, também está a filosofar, pois Lógica é uma disciplina filosófica. Quando alguém sente: “Gosto dessa música!”, também filosofa, pois o “gosto” (assim como o belo, o feio, o cômico, o grotesco, o sublime, etc) é uma categoria da Estética, uma disciplina filosófica. Quando alguém diz: “Sou pragmático, odeio teorias”, também está a filosofar, pois “Pragmatismo” (assim como “Utilitarismo”) é uma corrente da filosofia. E mesmo quando alguém questiona : “para que estudar filosofia?”, também está a filosofar, pois questiona sobre a Teoria do Conhecimento (ou Epistemologia), uma disciplina da filosofia. Enfim, é impossível alguém estar vivo e não se colocar questões como: “O que é a vida ? O que é Deus? O que é o tempo? O que é a liberdade? O que é o amor? O que é a política? Quem eu sou?...” Não apenas para formular as perguntas, mas também para vislumbrar sentidos para elas, quem assim indaga também está a filosofar, mesmo que não tenha frequentado escola ou lido livros de filosofia, pois essas são questões de uma disciplina da filosofia chamada “Metafísica”. Uma coisa é a filosofia, esta se encontra registrada em livros escritos pelos filósofos; outra é o filosofar, cujo sinônimo é pensar. Os tiranos de toda ordem sempre temem o pensar, e fazem o máximo que podem para impedir que as pessoas, sobretudo os jovens, façam essa descoberta do pensar, ou se já o descobriram, não o exerçam (não importando a faculdade que tenham escolhido cursar). Descobrir o pensar é governar a si mesmo. E apenas os tolos e obedientes, os mortos em vida, dizem “amém” a essa “cicuta” que esses fascistas querem impor a todos (e não apenas aos filósofos e sociólogos)."

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* Possui Mestrado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997), Mestrado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995) e Doutorado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2004). É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e professor adjunto da Faculdade de Filosofia de São Bento.

sábado, 27 de abril de 2019

Por que e para que estudar filosofia nos dias de hoje?

Publicado em 10 de Março de 2014. Texto na íntegra em[1] 


“A mente que se abre a uma nova ideia, jamais volta ao original”. 
[Albert Einstein]



Arlindo Nascimento Rocha


A filosofia exige um estudo contínuo, um ‘investimento a longo prazo’ que depende do nosso empenho e das nossas reais motivações, uma vez que ela configura-se como um saber eminentemente teórico. É um empreendimento pessoal que exige muitas horas de leitura, o domínio da exegese textual e de certos conceitos que nos permite acessar progressivamente e em grau cada vez mais exigente em termos de abstração e de formulação de ideias novas a partir do acervo filosófico universal, e, até mesmo tentar ser original nas nossas colocações.

Portanto, o estudo da Filosofia exige compreensão e não memorização dos conceitos, dado que os elementos essenciais da Filosofia são: os problemas, as teorias e os argumentos e os contra argumentos o que implica uma compreensão com vista à tomada de uma posição autónoma, radical e de conjunto, por forma a criarmos as condições necessárias, e, de modo racional, fazermos uma crítica a uma determinada realidade, sistema, objeto ou situação. É nesse âmbito que reside à atitude crítica do homem, fazendo o bom uso da razão, isto é, procurando descobrir o que está velado pelas aparências do cotidiano e ancorados no conhecimento empírico do senso comum ou pelas dogmas existenciais. O estudo da Filosofia exige coragem para ir, a fundo, quebrar paradigmas, ser original, atento e perseverante na busca da verdade e aceitar o desafio da mudança e do crescimento dialético e intelectual. 

Para o senso comum, argumentar é vencer alguém, forçá-lo a aceitar a nossa verdade. Esta definição é errada! Seja na escola, na política, no trabalho ou numa simples conversa saber argumentar é, primeiramente, saber compreender o raciocínio do outro. Argumentar é também conseguir o que desejamos, mas de uma forma construtiva e num sistema de conversa, onde devemos sempre ouvir o que o outro tem para dizer. O principal objetivo da argumentação é passar a nossa verdade para a verdade do outro.

Devido a grande complexidade e o grau de reflexão e abstração, a grande maioria das pessoas que começam a estudar filosofia desiste facilmente por considerarem a disciplina cansativa, abstrata e sem valor prático. No entanto, se analisarmos as razões que nos levam a estudar e tentar perceber esta antiga disciplina, será mais fácil e menos duro fazê-lo. Por isso, antes de abordar questões específicas da filosofia, enfatizarei algumas razões pela qual se considera fundamental para que o estudo da filosofia seja pelo puro prazer de aprender ou visando fins acadêmicos, políticos, religioso etc. Assim, analisarei alguns motivos que podem ser estímulos ao estudo da filosofia, uma vez que o estudo filosófico faculta o desenvolvimento da capacidade de argumentar, a capacidade crítica, o raciocínio lógico e melhora o desempenho profissional em qualquer área.

 Naturalmente, os seres humanos sempre valorizaram e cada vez mais a importância da argumentação na vida cotidiana bem como na vida profissional, seja na academia, na politica ou no dia-a-dia. Com o estudo sistemático da filosofia aumentamos consideravelmente a nossa capacidade de reflexão crítica e o nosso poder de argumentação, sobre vários assuntos, embora saibamos que carregamos um arsenal epistemológico limitado, por isso, a filosofia nos dá essa responsabilidade questionadora que nos leva numa aventura ao desconhecido mediante uma investigação profunda, metódica e isenta através de questões, ou seja, precisamos questionar o mundo, as pessoas e a nós mesmos para que possamos adequar nossas argumentações.

A procura do aprimoramento dessa competência remonta os primórdios da filosofia Grega em que os sofistas, considerados os mestres da retórica, já faziam o uso desse recurso para convencer os seus interlocutores sobre a relatividade da verdade factos em contraponto com o mestre Sócrates que defendia e acreditava numa verdade universal. Por outro lado, como se sabe, a filosofia não constitui um conjunto de saberes dogmatizadas e estanques, ela é uma área aberta a novas ideias, novos conceitos, novos desafios. Assim, essa abertura se traduz numa enormidade de diferentes formas de pensamento que consequentemente nos proporcionam as ideias e soluções para os problemas que se nos impõem.

Portanto, para o estudante de filosofia é necessário uma atitude de investigação, reflexão crítica incessante valorizando a realidade, pois os filósofos  procuram resolver os problemas que surgem da experiência do dia-a-dia, para depois se aventurar na procura de soluções cada vez mais abstratas e difíceis de compreender. Isto acontece porque, se o filósofo não for além dos conceitos que foram deturpadas pelo senso comum e dos preconceitos presentes na sociedade, então ele não conseguirá elevar-se a novas ideias ou novas formas de pensamento.

O estudante de filosofia necessita de ser uma pessoa aberta a novas ideias e formas de pensar, pois isso aumentará significativamente o seu capital intelectual. Nesse aspecto a filosofia é essencial, pois, almeja contribuir para estimular o desenvolvimento de cidadãos pensantes, reflexivos e críticos. Ao apostar no estudo sistemático da filosofia independentemente do tema ou assunto, as capacidades críticas de raciocínio vão sendo treinadas e aprimoradas. Isto acontece porque, ao analisar cada vez mais questões filosóficas ou enigmas lógicos, o nosso cérebro vai progressivamente aumentando a sua capacidade crítica. Ou seja, ao longo do tempo cada indivíduo será bem capaz de colocar questões e encontrar respostas mais eficazes aos problemas ao invés de se contentar apenas com uma simples solução baseado no senso comum e em soluções triviais para problemas inquietantes.

Por outro lado a filosofia também é uma ferramenta essencial a qualquer profissional que queira desenvolver as suas habilidades e competências intelectuais e alcançar o sucesso na sua área profissional. Ao dominar alguns conhecimentos do foro filosófico adquire-se e melhora-se como orador para grandes públicos que possam, eventualmente, colocar-lhe questões que não tinha nos seus planos. Com a ajuda da filosofia e da lógica aprende-se a argumentar corretamente, expressando e justificando nossas opiniões, bem como provocar a livre adesão dos nossos interlocutores às nossas ideias mediante argumentos sólidos e válidos.  Assim, podemos organizar racionalmente de forma coerente e congruente nossos pensamentos e  avaliar a validade dos argumentos que nos são apresentados, contribuindo assim para desenvolver a emancipação, a autonomia do espírito crítico e reflexivo uma vez que, vivemos em sociedade, precisamos de comunicar, expor as nossas ideias e defender os nossos pontos de vista.  Se o fizermos com rigor e clareza, tudo se torna mais fácil e conseguimos fazer com que as nossas ideias sejam melhores compreendidas e aceites intelectualmente pelos nossos interlocutores. 


REFERÊNCIAS

ABRÃO, Bernardette Siqueira. História da Filosofia. - São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores)
ALVES, Maurício Martins. Lógica: uma introdução. - Taubaté: Edição Própria, 2000.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. - 13ª ed. - São Paulo: Ática, 2005.
MARTINS, Maria Helena; ARANHA, Maria Lúcia de Aaaruda. Filosofando: introdução à filosofia. - 3ª ed. - São Paulo: Moderna, 2004.
TELES, António Xavier. Introdução à Filosofia. 21ª ed. - São Paulo: Ática, 1984.
WEBER, Max. Ética protestante e o espírito do capitalismo. 4ª ed. - São Paulo: Martin Claret, 2001.






sexta-feira, 8 de março de 2019

O que é necessário para que haja uma educação de qualidade?




Alcançar uma educação de qualidade não é uma tarefa fácil, porém, não é impossível, diria mais, é possível desde que haja investimentos necessários para tal. É uma tarefa que requer tempo e investimento em ações concretas e integradas, desde a formação continuada dos professores, investimento na melhoria e na adequação das infraestruturas, aposta nas novas tecnologias de formação e informação, utilização de metodologias ativas e participativas, em que os alunos sejam autores e construtores da sua própria aprendizagem, sem esquecer a questão salarial de todos os profissionais da educação e a aposta numa gestão escolar integrada, democrática e construtiva.


É preciso que o ensino de qualidade tenha como desafio situar o ensino e a aprendizagem de forma ampla, partindo da história individual e coletiva dos alunos, proporcionando assim novas experiências com a finalidade de aperfeiçoar suas habilidades e competências, frente às suas inseguranças e de entender melhor os acontecimentos sociais atuais.

Uma educação de qualidade passa necessariamente pela transformação social, contudo, nada disso é possível se as sementes da autonomia, da criatividade, da criticidade e da reflexão não forem depositadas em terreno fértil desde a tenra idade, ou seja, é preciso não só transmitir conteúdos, mas, ensinar os nossos alunos a pensar e agir de forma consciente.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A ROLHA PEDAGÓGICA


[Adaptado]



Um Supervisor visitou uma escola fundamental. Em seu trajeto observou algo que lhe chamou a atenção: Uma professora estava entrincheirada atrás de seu escritório, os alunos faziam a maior bagunça; o quadro era caótico. Decidiu, então, se apresentar:

- Com licença, sou o Supervisor... Algum problema?
- Estou completamente perdida senhor, não sei o quê fazer com estas crianças... Não tenho lâminas de apresentações, não tenho livros, o ministério não envia sequer o mínimo material didático, não tenho recursos eletrônicos, não tenho nada novo para lhes mostrar, nem o que lhes dizer!

O Supervisor, que era um docente de alma, viu uma rolha sobre o escritório, a tomou, e com serenidade oriental falou com as crianças:

- Alguém sabe o que é isto? –
- Uma rolha! - gritaram os alunos surpresos.
- Muito bem. E de onde vem a rolha? -
- Da garrafa. Uma máquina a coloca. De uma árvore. Da cortiça. Da madeira. – respondiam as crianças animadas.
- E o que dá para fazer com madeira? – continuava entusiasta o docente.
- Cadeiras. Uma mesa. Um barco! -
- Muito bem, Então teremos um barco. Quem se anima a desenhá-lo? Quem faz um mapa na lousa e indica o porto mais próximo para o nosso barquinho? Escrevam a qual Estado brasileiro corresponde. E qual é o outro porto mais próximo que não é brasileiro? A qual país corresponde? Alguém lembra que personagens famosos nasceram ali? Alguém lembra o que produz esse país? Por acaso, alguém conhece alguma canção desse lugar?

E assim, começou uma aula variadíssima de desenho, geografia, historia, economia, música, etc. A professora ficou muito impressionada. Quando a aula terminou, comovida, disse ao Supervisor:


- Senhor, nunca esquecerei a valiosa lição que hoje me ensinou. Muitíssimo obrigada!!! 

O tempo passou. O Supervisor voltou à escola e procurou pela professora. A encontrou novamente encolhida atrás de seu escritório, os alunos, outra vez, em desordem total.

- Mas, professora, o que houve? Lembra de mim? -

- Mas é claro, como poderia esquecê-lo? Que sorte que o senhor voltou! Não encontro a rolha. Onde a deixou? 


Quando alguém não tem formação e atenção a experiência para o que deve realizar, nunca vai achar a "rolha"!

[ Autor(a) desconhecido(a)]