Marcelo é um excelente professor de
Geografia.
Na aula sobre o Pantanal até
excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão.
Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na
interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um
vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados,
acontecimentos do dia-a-dia de cada um.
Em sua prova, é evidente, não deu
outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o
Pantanal. Seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos
acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra,
suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas
transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas
vibrava... Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua
ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua
aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:
- Posso pegar mais uma folha em
branco?
O único ponto de discórdia, o único
sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fila.
- Puxa vida! - pensava - Luizinho assistira todas as suas aulas, arregalara os
olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade
total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar Luizinho. Mas, tudo
bem, não queria se irritar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a
recuperação. Se duvidassem poderia, até mesmo, levá-lo à retenção. Seria até
possível arrancar um ano inteirinho de sua vida...
Minutos depois, avisou que o tempo
estava terminando. Que entregassem sua folha. Viu então que, rapidamente,
Luizinho desenhou, na primeira página das folhas de prova, o Pantanal.
Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de
irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras.
Entusiasmado indagou:
- E aí, Luís? Você já esteve no
Pantanal?
Não. Luizinho jamais saíra de sua
cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um
gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. havia com suas próprias palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente do seu aluno.
Mas, deu zero pela redação. É claro.
Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas de prova. A
história de Luizinho repete-se em muitas escolas. Sua inteligência pictórica é imensa,
colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua
competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia.
Mas, não são todos os professores que
se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes das que a escola
instituiu como única e universal.
FONTE:
ANTUNES, Celso. Marinheiros e professores. - 6a ed. - Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p. 71-73.
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