Tendo em conta a natureza do trabalho, e
por uma questão de rigor metodológico, teremos como primeira tarefa estabelecer
um diálogo que visa esclarecer alguns conceitos, que poderão posteriormente
causar mal entendidos. Por isso, tentaremos delimitar epistemologicamente, os
conceitos de gestão como administração (gestão/administração) e a gestão democrática
participativa, numa tentativa de estabelecer a natureza e os limites
epistemológicos de cada conceito, sistematizando as semelhanças e diferenças
dentro do nosso campo de estudo.
Iniciaremos o diálogo entre os conceitos
fazendo a clarificação do conceito de gestão e administração, para depois nos
atermos detalhadamente no objeto de estudo, ou seja, a gestão democrática e
participativa nas escolas públicas.
Os conceitos gestão/administração[1]
têm origem latina (gerere e administrare).
Assim, subjacente ao primeiro conceito, (gestão) está subentendido as ações de governar,
conduzir, dirigir. E, subjacente ao segundo conceito (administração) estão às
ações de gerir um bem, defendendo os interesses daquele que o possui –
constituindo-se em uma aplicação do gerir. De acordo com Andrade (2001), a
palavra portuguesa, gestão, em seu sentido original, vem do termo latino “gestio”, que expressa à ação de dirigir,
de administrar e de gerir a vida, os destinos, as capacidades das pessoas e as
próprias coisas que lhes pertencem ou que delas fazem uso. Segundo o que foi
visto, podemos compreender a gestão como sendo um conjunto de funções
burocráticas, destituídas de uma visão humanística e participativa e
corporativa, onde as ações estão voltadas para a orientação do planejamento e
distribuição de bens e da produção desses bens.
Fica
fácil entender que, a visão tradicional do paradigma da gestão/administração
foi ultrapassada tendo em conta os novos desafios que a sociedade contemporânea
exige dos sistemas educativos.
Para Heloísa Lück, a mudança mais significativa
que se pode registrar é a do modo como enxergamos a realidade e de como dela
participamos, estabelecendo sua construção. No geral, em toda a sociedade,
observa-se o desenvolvimento da consciência de que o autoritarismo, a
centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do dividir para
conquistar, do perde-ganha, estão ultrapassados, por conduzirem ao desperdício,
ao imobilismo, ao ativismo inconsequente, à irresponsabilidade por atos e seus
resultados e, em última instância, à estagnação social e ao fracasso de suas
instituições. (Lück, Heloísa, 2000)
Sendo assim, surgiu um novo paradigma de
gestão dos estabelecimentos de ensino, onde o foco é a participação efetiva de
todos os integrantes, ou seja, a gestão democrática e participativa[2],
como fator de transformação de concepções e ideias ultrapassadas e enraizadas
no sistema educacional que apesar do legado, já não satisfaz os desejos e as
ambições de todos os que estão direta ou indiretamente ligados à educação,
principalmente à rede pública.
É nesse âmbito de quebra de paradigma[3],
que surge então o conceito de gestão democrática e participativa, cujo
termo encerra em si o caráter democrático e participativo. Pode parecer
redundante a utilização das expressões citadas, mas é uma redundância importante,
uma vez que, reforça as dimensões mais importantes da gestão democrática, sem a
qual esta não se efetiva de forma coerente. Essa forma de gestão (democrática) valoriza
a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisões,
apostando na construção coletiva dos objetivos e do funcionamento da escola
através do diálogo e do consenso (LIBÂNEO, 2005).
Assim, contrariamente a
gestão/administração, a gestão democrática permite superar a limitação da
fragmentação e da descontextualizarão e construir ações articuladas frutos de
uma participação efetiva e de um trabalho feito em equipe. Portanto, ela pressupõe
que o processo educacional se transforma e se torna mais competente na medida
em que seus participantes tenham consciência de que são responsáveis pelo
mesmo, buscando ações coordenadas e horizontalizadas (Lück,
2006).
A gestão democrática participativa exige
inexoravelmente, uma “mudança de mentalidade” de todos os membros da comunidade
escolar, com vista a efetivação de políticas educacionais coerentes com a
realidade e as demandas da sociedade e das escolas públicas, apesar das
barreiras inerentes a esse processo. Assim, segundo Gadotti:
A democratização da gestão da escola
constitui-se numa das tendências atuais mais fortes
do sistema educacional, apesar da resistência oferecida pelo corporativismo das
organizações de educadores e pela burocracia instalada nos aparelhos de estado,
muitas vezes associados na luta contra a inovação educacional (GADOTTI, Moacir
1994, p.6).
A participação de todos, nos diferentes
níveis de decisão, é um imperativo essencial para assegurar o eficiente
desempenho da escola e dos seus membros e consequentemente atingir a autonomia[4] da
unidade escolar, suas condições internas e externas. Assim, a medida que a coexistência
e a consciência social se desenvolve e se materialize, o dever vai se transformando
em vontade coletiva, capaz de unir opiniões divergentes e incongruentes na
consecução de objetivos e metas comuns, possíveis de serem alcançados, mediante
a entrega e a participação de todos.
Conforme Lück (2001), os diretores
participativos baseiam-se no conceito da autoridade compartilhada, cujo poder é
delegado aos representantes da comunidade escolar e as responsabilidades são
assumidas por todos.
Por isso, a gestão democrática implica
novos processos de organização baseados numa dinâmica que favoreça os processos
coletivos e participativos de decisão[5].
No entanto, para que a participação seja realidade, são necessários meios e
condições favoráveis, para repensar a cultura escolar e os processos, autoritários,
de distribuição do poder no seu interior. Nessa direção, é fundamental
ressaltar que a participação não se decreta não se impõe e, portanto, não pode
ser entendida apenas como mecanismo formal/legal (BRASIL, 2005, p.15).
Referência:
IN: ROCHA, Arlindo Nascimento.Desafios da Gestão Democrática na Escola Pública:“Emergência de um novo paradigma para responder os desafios da educação atual” Monografia de Pós-Graduação, UCP/IPETEC, 2015, 70p.
[1] Segundo o Dicionário
Interativo da Educação Brasileira a expressão “Gestão” está relacionada à
atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a articulação de
todas as condições materiais e humanas necessárias para garantir o avanço dos
processos socioeducacionais dos estabelecimentos de ensino orientadas para a
promoção efetiva da aprendizagem pelos alunos. O conceito de gestão escolar foi
criado para superar um possível enfoque limitado do termo administração
escolar. Foi constituído a partir dos movimentos de abertura política do país,
que começaram a promover novos conceitos e valores, associados, sobretudo à
ideia de autonomia escolar, à participação da sociedade e da comunidade, à
criação de escolas comunitárias, cooperativas e associativas e ao fomento às
associações de pais. Assim, no âmbito da gestão escolar, o estabelecimento de
ensino passou a ser entendido como um sistema aberto, com uma cultura e identidade
própria, capaz de reagir com eficácia às solicitações dos contextos locais em
que se inserem [...]; relativamente a administração, de acordo com FERREIRA et al. (2000), ela se divide em três
blocos históricos: a) Teorias tradicionais de gestão; b) Teorias modernas de gestão;
c) Teorias emergentes de gestão. A primeira tem o engenheiro norte-americano,
Frederick Winslow Taylor, como o seu idealizador principal, com a criação da
escola de Administração Científica, e o francês Henri Fayol, criador da Escola
Clássica de administração. Além desses, podemos citar ainda Elton Mayo e a
Escola de Relações Humanas, as teorias X e Y de MecGregor e a Teoria Sistêmica,
defendida pelo alemão Ludwig von Bertalalanffy. No segundo bloco de teorias, as
modernas, destacam a Administração Por Objetivos (APO), defendida por Peter
Drucker, em 1954, com a célebre obra “A Prática da Administração das Empresas”
[...]. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Gestão
escolar" (verbete). Dicionário
Interativo da Educação Brasileira -
EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002.
[2]
Ultrapassada o paradigma da gestão/administração, tradicionais, era preciso
respaldar legalmente o novo paradigma emergente, ou seja, a gestão democrática
e participativa. Assim, esforços foram realizados para que fossem consagrados
na constituição brasileira e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
alguns artigos que defendessem e incentivassem a generalização da gestão
democrática participativa em todas as instituições educativas brasileiras.
Assim, a Constituição Federal de 1988, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>,
acessado em20/02/2015, estabelece, no seu artigo 206, <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650554/artigo-206-da-constituicao-federal-de-1988>,
que a forma de gestão da educação brasileira deve ser a democrática e
participativa, como atesta o inciso VI do referido artigo: “gestão democrática
do ensino público, na forma da lei”. Já no artigo 3º, inciso VIII, da (LDB) Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/ 96, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>,
acessado em20/02/2015, diz que a gestão do ensino público deve ser democrática,
respeitando a forma da lei e da legislação dos sistemas de ensino. No artigo 14
dessa mesma lei estabelece que os sistemas de ensino definirão as normas da
gestão democrática do ensino público, na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II –
participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes. (BRASIL, 1996). Nesse sentido, evidencia-se a forma democrática e
participativa que deve assumir a gestão escolar, ensejando que os sistemas de
ensino possam organizar e adaptar a gestão pública escolar, conforme o contexto
em que ela está inserida. Por isso, a democracia, em boa parte do mundo e, em
particular, no nosso país, vem propiciando maior liberdade e autonomia de
expressão e participação nas tomadas de decisões para as políticas sociais, apesar
de merecer uma reflexão mais profunda a respeito [...]
[3] [...] um paradigma significa
um tipo de relação muito forte, que pode ser de conjunção ou
disjunção, que possui natureza lógica entre um conjunto de conceitos-mestre. É
um tipo de relação dominadora é que determinaria o curso de todas as
teorias, de todos os discursos controlados pelo paradigma. Segundo
Perrenoud, o paradigma resultante a prática pedagógica, como afirma, tem que
assumir o desafio de superação da reprodução e fragmentação do conhecimento,
promovendo o resgate do ser humano em sua totalidade, considerando as suas
inteligências múltiplas contemplando os trabalhos coletivos e a participação
crítica e reflexiva dos alunos, tornando-os pesquisadores e produtores
autônomos do seu próprio conhecimento. PERRENOUD (2000); para Moacyr Xavier
Filho, a mudança de paradigma nos possibilita acompanhar as transformações,
aumentar nossa percepção do mundo, desenvolver uma nova
mentalidade. as mudanças são aceleradas e precisamos nos adaptar a
elas, mudar nossos padrões interiores, mudar para um novo jogo, com um
conjunto de regras, o que envolve tanto coragem quanto intuição. (XAVIER Filho,
1995, p.2).
[4] De
acordo com o Dicionário Aurélio, autonomia é a faculdade de se governar por si
mesmo; direito ou faculdade de um país se reger por leis próprias; emancipação;
independência; sistema ético segundo o qual as normas de conduta provêm da
própria organização humana. (HOLLANDA, Aurélio 1983, p. 136)
[5] Para
pensar a relação entre os sujeitos e as instâncias de participação, é preciso
dar especial atenção aos CEE, CME e CNE. A organização dos conselhos necessita,
pois: superar a fragmentação comumente existente nos órgãos colegiados,
articulando suas diferentes funções em um conselho de educação fortalecido;
equilibrar a função normativa com a de acompanhamento e avaliação da sociedade;
trazer a discussão de políticas para os conselhos; instituir uma composição que
reconheça a pluralidade de saberes e contribuições, de modo a refletir a
diversidade dos agentes e sujeitos políticos do campo educacional e para além
deles; estabelecer que os mandatos dos conselheiros e das conselheiras não
sejam coincidentes com os dos gestores; proibir que o exercício da presidência
do conselho seja exercido por integrantes do poder executivo; ampliar
iniciativas comprometidas com o desenvolvimento da capacidade e o
fortalecimento da função de conselheiro; e, na medida do possível, vincular a
representação da sociedade a um fórum permanente (municipal, estadual ou
nacional) de educação. CONAE (2010), Constituição do Sistema Nacional
Articulado de Educação: O Plano Nacional da Educação, Diretrizes e Estratégias
de Ação, p. 29. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/conae/documento_referencia.pdf>,
acessado em 19/03/2015.
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