Muito embora as concepções de descentralização,
democratização da gestão escolar e autonomia da escola sejam parte de um mesmo
corolário, encontramos certos sistemas que buscam o desenvolvimento da
democratização da gestão escolar, sem pensar na autonomia do estabelecimento de
ensino e sem descentralizar o poder para a mesma. Por outro lado, ainda,
observa-se o esforço de alguns sistemas de ensino, no sentido de desenvolver
nas escolas os conceitos de democratização e autonomia, de modo centralizado, o
que implica uma contradição paradigmática muito comum, que faz com que os
esforços se anulem.
Em consequência, é possível identificar certa diversidade
de orientações e expressões que manifestam graus de intensidade diferentes em
relação ao seguimento dos paradigmas. Isso porque o grau de maturidade de diferentes
grupos e segmentos varia. É em função disso que podemos afirmar que vivemos em
uma condição de transição entre um paradigma e outro, de que resultam algumas
tensões e contradições próprias do processo.
Por que hoje há tendência à descentralização? Conforme
Ana Luiza,
[...] é porque o
mundo passa por mudanças muito rápidas. Na verdade, a globalização coloca cada
dia um dado novo, cada dia, uma coisa nova. Há necessidade de adaptação e de
constante revisão do que está acontecendo. Então, isso gera a necessidade de
que o poder decisório esteja exatamente onde a coisa acontece. Porque, até que
ele chegue aonde é necessário, já houve a mudança, as coisas estão diferentes,
e aí aquela decisão já não tem mais sentido (MACHADO,1999, p. 86).
O movimento de descentralização na educação está
relacionado com o entendimento de que apenas localmente é possível promover a
gestão da escola e do processo educacional pelo qual é responsável, tendo em
vista que, sendo a escola uma organização social e o processo educacional que promove
altamente dinâmico, qualquer esforço centralizado e distante estaria fadado ao
fracasso.
É preciso reconhecer que a descentralização tem sido
praticada tendo como pano de fundo não apenas essa perspectiva de
democratização da sociedade, mas também a de promover melhor gestão de
processos e recursos e, ainda, como condição de aliviar os organismos centrais
que se tornam sobrecarregados com o crescimento exponencial do sistema
educativo e a complexidade das situações geradas, que inviabilizam o controle
central.
De qualquer modo, esse processo, como todo movimento
social, é sujeito a contradições. A contradição evidenciada na educação
brasileira não invalida o movimento, apenas registra um aspecto natural do
mesmo. É importante registrar o que comumente se descentralizam são recursos e
espaços para a tomada de decisão, mas que, como a cultura escolar não está
criada e estabelecida para fazê-lo, adequadamente, centralizam-se ações no
sentido de criar mecanismos de influência sobre a escola para fazê-lo e prestar
contas do processo.
A descentralização da educação é, por certo, um processo
extremamente complexo e, quando se considera o caso do Brasil, a questão se
complexifica ainda mais, por tratar-se de um País continente, com diversidades
regionais muito grandes, com distâncias imensas que caracterizam, também,
grande dificuldade de comunicação, apesar de vivermos na era da comunicação mundial
em tempo real.
Desse modo, a descentralização educacional não é um
processo homogêneo e praticado com uma única direção. Como se trata de um
processo que se refere à transferência de competências para outros níveis de
governo e de gestão, do poder de decisão sobre os seus próprios processos
sociais e os recursos necessários para sua efetivação, implica existência ou
construção de competência, daí a impossibilidade da homogeneidade apontada.
É em decorrência de tal situação que, em muitos casos,
pratica-se muito mais a desconcentração, do que propriamente a
descentralização, isto é, realiza-se a delegação regulamentada da autoridade,
tutelada ainda pelo poder central, mediante o estabelecimento de diretrizes e
normas centrais, controle na prestação de contas e a subordinação
administrativa das unidades escolares aos poderes centrais, em vez de delegação
de poderes de autogestão e autodeterminação na gestão dos processos necessários
para a realização das políticas educacionais.
A desconcentração, parece ser mais o caso praticado no
Brasil, em nome da descentralização, estando, no entanto, esse movimento se
conduzindo para uma descentralização mais plena. Conforme, ainda, apontado por
Parente e Lück (1999, p. 13),
o que vem ocorrendo
na prática educacional brasileira (...) é o deslocamento do processo decisório,
do centro do sistema, para os níveis executivos mais próximos aos seus
usuários, ou seja, a descentralização do governo federal para as instâncias
subnacionais, onde a União deixa de executar diretamente programas educacionais
e estabelece e reforça suas relações com os Estados e os municípios, chegando
até ao âmbito da unidade escolar. Da mesma forma, os sistemas estaduais vêm
adotando política similar, ou seja, transferem recursos e responsabilidades com
a oferta de serviços educacionais, tanto para o município, quanto diretamente
para a escola.
A municipalização do ensino e a
escolarização da merenda são práticas bem-sucedidas, nesse sentido. A
descentralização é um processo que se delineia, à medida que vai sendo
praticado, constituindo uma ação dinâmica de implantação de política social, que
visa estabelecer, conforme indicado por Malpica (1994), mudanças nas relações
entre o sistema central, pela redistribuição de poder, passando, em consequência,
as ações centrais, de comando e controle, para coordenação e orientação
(descentralização política); pela abertura à autodeterminação no
estabelecimento de processos e mecanismos de gestão do cotidiano escolar, de
seus recursos e de suas relações com a comunidade (gestão administrativa e
financeira).
Conforme apontado por Parente e Lück (1999), conduz a escola à
construção de sua identidade institucional, constituída pela formação da
capacidade organizacional para elaborar seu projeto educacional
(descentralização pedagógica), mediante a gestão compartilhada e a gestão
direta de recursos necessários à manutenção do ensino. Portanto, construindo
sua autonomia.
REFERÊNCIAS
MACHADO, Ana Luiza. Formação de gestores
educacionais. In: CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO
COMUNITÁRIA. Gestão educacional: tendências e perspectivas. São Paulo: Cenpec,
1999.
PARENTE,
Marta, LÜCK, Heloísa. Mapeamento da descentralização da educação brasileira nas
redes estaduais do ensino fundamental. Brasília: Ipea/Consed, 1999.
MALPICA,
Carlos N. F. Descentralización y planificación de la educación : experiencias
recientes en países de América Latina. - Paris: Unesco/IIPE, 1994.
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