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terça-feira, 14 de outubro de 2025

Entre a dor psíquica e a (des)esperança

 



"O suicídio é um ato definitivo para um problema temporário"

[Shneidman]

 

Por: Arlindo Nascimento Rocha 

Começo este artigo com a célebre máxima de Edwin Shneidman, mencionada pela Doutora Karina Okagima Fukumitsu durante o Seminário “Agir, Proteger e Cuidar de Vidas”, organizado pelo Escritório de Políticas Transversais de Direitos e Cuidados, Saúde e Acessibilidade da Prefeitura Municipal de Niterói. O evento, realizado no Teatro Municipal da cidade, reuniu um público expressivo e suscitou profundas reflexões sobre a prevenção do suicídio.

A Dra. Karina Fukumitsu, psicóloga, psicopedagoga e gestalt-terapeuta, exerce funções como consultora em Saúde Existencial. A sua sólida trajetória académica inclui Pós-doutoramento e Doutoramento em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e Mestrado em Psicologia Clínica pela Michigan School of Professional Psychology (MiSPP). Reconhecida como referência em Suicidologia, coordena atualmente a Pós-Graduação em Suicidologia: Prevenção e Posvenção, Processos Autodestrutivos e Luto, na Faculdade Phorte.

Entre os vários apontamentos apresentados na sua palestra, a máxima de Shneidman destacou-se pelo impacto que me causou, conduzindo-me à reflexão e ao desejo de elaborar este texto, ainda que o tema não seja a minha área de especialidade direta. A relevância desta máxima justifica-se pela sua densidade conceitual e pela urgência que a questão suscita.

Para melhor compreendê-la, acredito ser necessário conhecer o seu autor: Edwin Shneidman (1918–2009), foi um psicólogo norte-americano considerado o fundador da Suicidologia, criador do Centro de Prevenção do Suicídio de Los Angeles e da Associação Americana de Suicidologia. Shneidman definiu o suicídio como o resultado de uma dor psíquica intolerável, isto é, um sofrimento mental que se torna insuportável.

Ao mencionar um “problema temporário”, creio que o autor se refere as dificuldades passageiras que, no entanto, para quem as vivencia intensamente, podem parecer insolúveis e definitivas. Nesse contexto, a perceção do tempo e do futuro é obscurecida e a esperança de mudança é anulada, abrindo espaço para que o suicídio seja visto, de forma distorcida e desesperada, como a única saída possível.

Durante a sua exposição, em tom pedagógico e acolhedor, a Dra. Karina sublinhou que o suicídio não deve ser silenciado nem tratado socialmente como tabu. O silêncio, segundo ela, apenas perpetua preconceitos e mitos. O diálogo deve ser contínuo em todos os espaços sociais e não restrito ao Setembro Amarelo, mês de maior mobilização em torno da valorização da vida e da saúde mental.

A sua capacidade de dialogar de forma aberta e empática com os presentes, aliada a uma postura segura e sensível, reforçou de forma exemplar o lema do seminário: “Agir, Proteger e Cuidar de Vidas”, recordando-nos de que a vida, enquanto bem supremo, merece cuidados permanentes. Como afirmou a palestrante, “enquanto há vida, há solução”. Tomo a liberdade de acrescentar: “enquanto há tempo, há solução”, pois é no tempo que se abrem as possibilidades de transformação. O devir, como propôs Heráclito, só acontece porque o tempo não cessa.

Refletindo sobre a máxima de Shneidman, duas expressões merecem ser destacadas: (1) “suicídio”, entendido como ato de pôr termo à própria vida diante de um sofrimento psíquico insuportável; (2) “problema temporário”, que sob uma ótica externa pode ser solucionado, mas que para quem sofre é percebido como prisão inescapável. O paradoxo reside precisamente aí: no limite da dor, perde-se a capacidade de projetar o amanhã.

Apesar da força da máxima, é necessário reconhecer o seu caráter limitador quando tomada de forma isolada. O suicídio é um fenómeno multifatorial, envolvendo aspetos como doenças mentais, exclusão social, bullying, xenofobia, desesperança, doenças crónicas e ausência de propósito. Para o indivíduo em sofrimento, a dor não é percebida como efémera, mas como absoluta, radical e definitiva. Daí a necessidade de uma abordagem sempre empática, integrada e multidisciplinar.

Ainda assim, a máxima pode atuar como um antídoto simbólico: ao recordar que “toda dor é passageira”, evidencia-se que os problemas temporários podem ser superados através da compreensão, do autoconhecimento, da terapia e, em certos casos, do recurso à medicação. Isto reafirma a importância do tempo e do apoio no processo de ressignificação da vida.

A reflexão que desenvolvi até aqui conduziu-me também a outro tema que abordei na minha dissertação de Mestrado na PUC-SP, em 2016: o tédio, na perspetiva do filósofo francês Blaise Pascal. Para ele, nada é tão insuportável ao homem quanto permanecer em repouso absoluto, sem paixões. Nessa condição, o indivíduo depara-se com o vazio existencial, que gera tristeza, mágoa, desespero e o sentimento do nada.

Contudo, o tédio deve ser compreendido como um estado temporário, e não como um destino inevitável. A tradição clássica já advertia, como lembra o filósofo estóico Séneca: “Otium sine litteris mors est et hominis vivi sepultura” (O ócio sem estudo é a morte e o sepultamento do homem vivo). Ou seja, o ócio improdutivo, sem reflexão ou cultivo intelectual, paralisa a vitalidade humana.

Para Pascal, a fuga através do divertimento era o meio mais comum de escapar ao tédio. Outros filósofos, como Schopenhauer e Kant, também destacaram que a raiz do problema está na relação do homem com o tempo e com a sua própria finitude. Ainda assim, o tédio pode ser superado pela criatividade, pela interioridade e, na visão pascaliana, pela relação com o transcendente.

Importa notar que, em situações de fragilidade psíquica, o tédio pode intensificar a angústia e abrir espaço para o desespero, constituindo um fator de risco para o suicídio. Isto não significa que conduza necessariamente a tal desfecho, mas que pode agravar vulnerabilidades já existentes.

Assim, tanto a dor psíquica como o tédio a angústia ou outros males psicológicos devem ser entendidos como problemas temporários, suscetíveis de ressignificação com o apoio adequado. Podem representar risco, quando associados à desesperança, mas também oportunidade de crescimento, quando enfrentados de forma saudável. Reconhecer esta ambivalência é essencial para a prevenção, sobretudo no âmbito de campanhas como o Setembro Amarelo.

Concluo retomando a máxima de Shneidman: na minha perspetiva, e em contraste com a afirmação do citado autor, o suicídio não deve ser entendido como uma solução definitiva, mas antes como o reflexo de um sofrimento que obscurece a esperança e a perceção do tempo. Há sempre outros caminhos possíveis para enfrentar e superar os problemas temporários. A responsabilidade que recai sobre todos nós: sociedade, instituições e profissionais é a de agir, proteger e cuidar de vidas, promovendo espaços de acolhimento e (auto)transformação.

Se chegou até aqui e está a passar por uma situação difícil ou a enfrentar um problema, saiba que não está sozinho. Procurar apoio é uma decisão sábia. Reconhecer que não somos autossuficientes e que, em determinados momentos, necessitamos de suporte externo quando não conseguimos resolver, por meios próprios, os nossos problemas existenciais não é sinal de fraqueza, mas de grandeza. Procure ajuda e ofereça ajuda a quem dela precisar!

 

Niterói, 02/10/2025
Arlindo Nascimento Rocha


Este artigo foi publicado no jornal digital – Mindel Insite – disponível no link: <https://mindelinsite.com/opiniao/entre-a-dor-psiquica-e-a-desesperanca/>. 03/10/2025. 


O suicídio e a experiência do tempo

 


 

Por: Arlindo Nascimento Rocha 

No dia 25 de setembro de 2025, durante uma palestra sobre o “Setembro Amarelo”, campanha dedicada à valorização da vida e à prevenção do suicídio, a magnífica exposição da Psicóloga Thatiana Michelsem proporcionou-me um momento de raro insight. Ao abordar os fatores de risco associados ao suicídio, um pensamento surgiu, articulando dois conceitos que, à primeira vista, podem parecer dissociados: a experiência do suicida e sua relação com o tempo.

Compartilhei brevemente essa intuição ao final da palestra e, posteriormente, com minha esposa, que carrega consigo a experiência profunda do luto pela perda de um irmão. É uma reflexão em estágio inicial, pois, tive apenas uma tarde e uma noite para refletir sobre o assunto! Não sou especialista na área, no entanto, considero esta reflexão urgente e necessária. Por isso, gostaria de desenvolvê-la com cuidado e sensibilidade que o tema exige.

Não tenho a pretensão de esgotar o assunto ou de encontrar unanimidade, pois, de antemão, considero-a algo improvável quando se trata da complexidade da experiência humana. Meu objetivo, antes, é semear uma perspectiva que possa, para algumas pessoas, funcionar como um instrumento de ressignificação, abrindo caminho para a superação, revelando faíscas de esperança onde antes parecia existir apenas escuridão.

A proposta central é entender que o indivíduo que contempla o suicídio pode vivenciar uma radical distorção em sua relação com o tempo. Nós, seres humanos, somos temporais por natureza; nossa existência é uma caminhada finita que se desenrola no tempo.

Para a maioria, o tempo contém uma dialética: é o campo tanto da dor, do sofrimento e do desgaste quanto da cura, do aprendizado, da resiliência e da superação. Conseguimos, ainda que com dificuldade, e com muito diálogo, visualizar um futuro onde a dor atual possa ser transformada ou sublimada.

Filosoficamente, este diálogo ocorre com ideias de filósofos como Filósofo alemão, Martin Heidegger, para quem o ser humano é um "ser-no-tempo" com uma temporalidade caracterizada pela abertura ao futuro, à historicidade e à finitude. Em contextos de sofrimento profundo, de depressão, de luto e das crises existenciais, essa temporalidade abre espaço para a angustiante percepção da finitude e da mortalidade.

Como seres de e no tempo, a sensação de “paralisação” ou de “metamorfose” pode ser dois fatores paradoxais que envolvem a experiência do suicida com o tempo. A paralização pode aumentar o sentido do vazio enquanto que a metamorfose, ou seja, a autotransformação, pode levar, paradoxalmente a uma abertura para o entendimento.     

No entanto, para a pessoa imersa em um sofrimento psíquico intenso, esse diálogo colapsa, onde o futuro deixa de ser percebido como uma possibilidade de mudança. A perspectiva temporal pode se contrair drasticamente, fixando-se em um eterno presente da agonia, ou seja, da agonia do “eterno retorno” nietzschiano, da agonia decadente que vê no sofrimento, na dor, na tristeza, na desesperança, algo a ser negado, superado ou redimido.

Pessoas com tendências suicidas, vivem um estado, conhecido na psicologia como constrição cognitiva que estreita e reduz o campo da percepção temporal. A mente, toldada pela dor e pelo sofrimento perde a capacidade de acessar lembranças reconfortantes ou de projetar cenários alternativos. O sofrimento não é mais um episódio dentro de uma linha do tempo; ele se torna a própria linha do tempo.

Nesse contexto, a ideia de que “o tempo cura” soa como uma ironia vazia. Quando o futuro é percebido apenas como a perpetuação de uma dor insuportável, o ato suicida pode ser erroneamente interpretado como a única saída para interromper um fluxo temporal que se tornou fonte de tortura. Paradoxalmente, é como se o indivíduo, na tentativa desesperada de aniquilar a dor, sentisse a necessidade de primeiro aniquilar o tempo, aquele tempo futuro que, em sua percepção, só promete mais sofrimento.

É crucial enfatizar que esta não é uma falha de caráter ou fraqueza, mas sim uma consequência compreensível de condições de saúde mental que podem incluir depressão grave, transtorno de estresse pós-traumático, entre outras. A sensação de desesperança é um dos mais fortes preditores de risco suicida.

Portanto, a intervenção mais vital é justamente reintroduzir a possibilidade do tempo. A escuta empática, seja de um amigo, um familiar, ou um profissional de saúde mental (psicólogo ou psiquiatra), pode atuar como uma ponte para fora desse presente constrito. Ao validar a dor sem julgamentos e oferecer suporte, esse acolhimento ajuda a reconstruir, mesmo que minimamente, a ponte para um futuro onde outras experiências, inclusive as de alívio e de ressignificação, são possíveis.

Assim, talvez possamos reformular o ditado popular "enquanto há vida, há esperança" para "enquanto houver a possibilidade de um amanhã, há espaço para a intervenção e a transformação". O tempo, aliado a suportes adequados, pode de fato ser um grande agente de cura, mas ele não age sozinho. Requer a coragem de quem sofre em buscar ajuda e a responsabilidade coletiva de oferecer uma rede de apoio segura e livre de estigmas.

Se você está lutando contra pensamentos suicidas, ou se é um sobrevivente desta experiência, saiba que a sua dor é real e profundamente respeitada. A sensação de que o futuro está fechado é uma ilusão criada pelo sofrimento, não um fato.

Permitir-se conectar com o outro, buscar ajuda especializada, é um ato de coragem que pode reabrir as portas do tempo. Pequenos lapsos de alívio, momentos de conexão genuína e a interrupção do ciclo de dor são possíveis. A sua história ainda não terminou de ser escrita, e há apoio disponível para ajudá-lo a encontrar, um dia de cada vez, novos significados para continuar a narrá-la.

 

Niterói - 26/09/2025.

 

O Artigo foi publicado no jornal digital - Mindel Insite e está disponível no link: <https://mindelinsite.com/opiniao/o-suicidio-e-a-experiencia-do-tempo/#:~:text=Pessoas%20com%20tend%C3%AAncias%20suicidas%2C%20vivem,ou%20de%20projetar%20cen%C3%A1rios%20alternativos>. 27/09/2025 



sexta-feira, 25 de abril de 2025

Dia do Professor Cabo-Verdiano e Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais



No dia 23 de abril, celebra-se em Cabo Verde duas datas muito especiais: o Dia do Professor Cabo-Verdiano e o Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais.

O Dia do Professor Cabo-Verdiano foi instituído pelo Decreto nº 25, de 21 de abril de 1990, em homenagem ao nascimento de Baltazar Lopes da Silva (1907) — escritor, educador e autor da obra clássica Chiquinho. Ele é o patrono dos professores de Cabo Verde e símbolo da valorização do saber e da cultura no país.

Já o Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais destaca a importância do livro e do escritor como pilares do desenvolvimento intelectual, da preservação do conhecimento e da promoção da criatividade humana.

Como professor, pesquisador e escritor, deixo aqui minha singela contribuição para essas causas que me inspiram diariamente. Afinal, como bem disse Mario Sergio Cortella: "Só é um bom 'ensinante' quem for um bom 'aprendente'."


Sigo minha jornada como um eterno APRENDENTE…






Os Manuais de FILOSOFIA estão disponíveis no site da Amazon, no seguinte LINK

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Filosofar

 


Oh, jovem estudante, vem desvendar,
Este manual é um portal pra voar!
Conhece a ti, o outro, o mundo, a vida,
Com a razão crítica, o logos a guiar!

Cada página é um passo, um questionar,
Éticas, verdades, o que é libertar?
Desafia certezas, abre tua mente,
No diálogo com o outro, a chama está à frente!

Filosofar é libertar, é pensar, é duvidar, é SER!
É a luz no caminho do saber!
Das cavernas ao digital, a chama não vai apagar,
Pois quem pensa vive além de olhar!

Lógica, estética, fé, epistemologia,
Ciência e filosofia, juntas na sinfonia!
Quebram ilusões, dogmas a ruir,
Homem e natureza, um novo porvir!

Dizem que é ilusão, que o mundo não precisa,
Mas sem perguntas, a ética desliza...
Oh, ouve o passado! Sócrates clama:
"Pensar é respirar, é salvar a alma!"

Filosofar é libertar, é pensar, é duvidar, é SER!
É a luz no caminho do saber!
Das cavernas ao digital, a chama não vai apagar,
Pois quem pensa vive além de olhar!

Jovem, sê audaz! Não temas duvidar,
O manual é teu mapa pra navegar!
Na complexidade, ergue teu voo,
Filósofo-cidadão: o futuro é teu now!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Publicação de Manual de Filosofia Para o 11º do Ensino Secundário em Cabo Verde




A elaboração deste Manual de Filosofia para o 11º ano do Ensino Secundário em Cabo Verde é a continuação de uma jornada iniciada com a publicação do Manual para o 10º ano (o primeiro a ser lançado por um pesquisador cabo-verdiano), e reflete a convicção sobre a importância do pensamento filosófico na formação de alunos críticos e reflexivos.

Semelhante ao primeiro, este Manual foi didaticamente estruturado, de acordo com o Programa elaborado pelo Ministério de Educação de Cabo Verde, de forma a apresentar aos alunos e professores os conteúdos filosóficos que estruturam a evolução do pensamento ao longo da história, incentivando a reflexão, a pesquisa e o debate de ideias.

O objetivo permanece o mesmo: fortalecer a curiosidade, as competências e as habilidades dos alunos, promovendo a busca contínua por respostas através da prática filosófica.

Portanto, a meta é consolidar os saberes adquiridos anteriormente e descobrir novos caminhos através de insights filosóficos, preparando os alunos para novos desafios.

Que este Manual sirva como um instrumento didático que atenda às necessidades educacionais, proporcionando suporte essencial para o estudo e a pesquisa, auxiliando alunos e professores na contínua missão de: “aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser e, finalmente, aprender a aprender”.


OBS.: O livro estaré dinsponível no site da Editora Autografia e em várias Plataformas difitais em formato Ebook (digita) e impresso.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O que o Mito de Sísifo nos ensina sobre o absurdo da existência?

 


No coração da filosofia existencialista encontra-se uma imagem poderosa e desanimadora:

a do Rei Sísifo, condenado a empurrar uma imensa rocha acima, só para vê-la rolar de novo para baixo, repetindo esta tarefa inútil por toda a eternidade.

Este mito, extraído da mitologia grega e revitalizado pelo filósofo francês Albert Camus no seu ensaio "O Mito de Sísifo", tornou-se um símbolo duradouro da luta humana contra a futilidade e o absurdo da existência.

Na mitologia grega, Sísifo era um rei astuto e desafiador que enganou os deuses em diversas ocasiões. Sua astúcia e arrogância finalmente lhe valeram um castigo eterno imposto por Zeus:

tinha que empurrar uma rocha gigante para o topo de uma colina, só para que a rocha rodasse de novo para baixo, forçando-o a recomeçar, num ciclo interminável de esforço e fracasso.

Albert Camus retoma este mito no seu ensaio para explorar a condição humana num mundo sem sentido inerente. Para Camus, a luta de Sísifo representa a vida humana:

uma série interminável de tarefas repetitivas e aparentemente sem propósito, num universo indiferente. No entanto, em vez de sucumbir ao niilismo, Camus encontra nesta imagem uma oportunidade de rebelião e afirmação da vida.

Segundo Camus, a própria vida é absurda, marcada por uma desconexão fundamental entre nossas expectativas de significado e a indiferença do cosmos. Mas em vez de ficar desesperado perante este absurdo, Camus sugere que devemos abraçá-lo e encontrar nossa própria maneira de dar sentido às nossas vidas. Aqui reside a verdadeira força de Sísifo:

embora sua tarefa seja inútil, Sísifo continua empurrando a rocha. Neste ato de resistência, Camus vê um modelo para a existência humana.

"É preciso imaginar Sísifo feliz", conclui Camus. Esta afirmação, embora paradoxal, encapsula a essência do pensamento do filósofo.

A felicidade de Sísifo não vem da esperança de sucesso em sua tarefa, mas da plena aceitação do seu destino e da dedicação ao seu esforço apesar da futilidade. É nessa rebelião consciente contra o absurdo que Sísifo encontra sua liberdade e seu significado.

O mito de Sísifo nos desafia a refletir sobre nossas próprias vidas. Como encaramos a repetição e a aparente falta de propósito em nossos estoques? Camus nos convida a não procurar respostas definitivas, mas a encontrar valor e alegria no ato de viver, no esforço contínuo e na aceitação da nossa condição humana.

Assim, o mito se torna uma alegoria moderna para a luta diária de cada indivíduo. Lembra-nos que, embora a vida possa parecer uma série interminável de subidas e descidas, nossa atitude em relação a essa luta pode transformar nossa percepção da realidade. Assim como Sísifo, podemos encontrar no próprio esforço uma fonte de significado e satisfação.

Em última análise, a história de Sísifo e a interpretação de Camus nos oferecem uma perspectiva profundamente humana sobre a existência:

aceitar o absurdo, resistir ao desespero e encontrar na nossa própria luta a essência do que significa viver.

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A história de Argos que esperou 20 anos pelo retorno de Ulisses para poder morrer


“Ulisses e Argos” - Pintura: Brinton Rivieri - 1890 


A história de Argos, o cão que esperou 20 anos pelo retorno de seu dono para poder morrer, é uma das mais tocantes demonstrações de lealdade que o mito grego preserva. 

Ulisses, o herói que sobreviveu às mais cruéis batalhas e aos desafios épicos da Odisseia, retornava finalmente à sua amada Ítaca. Não era mais o guerreiro robusto e vibrante que partiu para a Guerra de Troia; o tempo e a guerra haviam marcado profundamente seu corpo e sua alma. Sua esposa não o reconheceu. Entre a multidão de rostos que passavam, ninguém sabia quem era aquele homem envelhecido e disfarçado como mendigo. Apenas um ser, silencioso e fiel, viu além do tempo e das aparências.

Argos, o cão que o esperou por duas décadas, mesmo cego, enfraquecido e à beira da morte, soube que Ulisses estava de volta. A ligação entre os dois transcendia o tempo, a guerra, e até mesmo o disfarce do herói. Quando Ulisses cruzou os portões de sua terra natal, Argos, exausto pelos anos de espera, arrastou-se até seu mestre, com o último fio de energia que lhe restava. O olhar de Argos foi o reconhecimento silencioso que Ulisses nunca precisou pedir. Sem poder revelar sua verdadeira identidade para proteger sua missão, Ulisses não pôde chamá-lo, mas suas lágrimas denunciaram a dor e o amor contidos naquele reencontro.

A cauda de Argos balançou uma última vez, um movimento lento, carregado de anos de espera e dedicação. E ali, nos pés do herói que tanto aguardara, Argos deu seu último suspiro. A sua morte simboliza algo maior que a lealdade canina: é a prova de que o amor verdadeiro, mesmo silencioso e paciente, jamais se apaga.

Como o mais fiel de todos os companheiros, Argos morreu apenas quando sua missão estava cumprida. O seu dono estava de volta, e só então, o cão pôde descansar.

A história de Argos não é apenas um conto de lealdade. É um lembrete profundo de que, por mais distantes que estejamos dos que amamos, o verdadeiro amor sempre reconhece o retorno. Mesmo depois de 20 anos, a alma de Argos nunca esqueceu.


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Publicação da versão digital do Manual de Filosofia para o 10º Ano em Cabo Verde

 

A ausência de manuais nacionais em diversas disciplinas tem sido um desafio persistente no sistema educativo cabo-verdiano, impactando  alunos e professores. A falta de recursos didáticos que reflitam as necessidades pedagógicas e culturais do país força os professores a recorrerem a materiais estrangeiros, frequentemente desajustados às necessidades e a realidade dos alunos, comprometendo a eficácia do ensino e a compreensão dos conteúdos.

Desta forma, a iniciativa de elaboração e publicação do Manual de Filosofia para o 10º ano de escolaridade é uma conquista importante para o país. Este recurso pedagógico, mais do que uma simples instrumento pedagógico, simboliza um avanço importante na consolidação do ensino e da aprendizagem da filosofia

Este manual oferece aos alunos conteúdos importantes e em conformidade com o programa elaborado pelo Ministério da Educação de Cabo Verde, facilitando a compreensão e a aplicação dos conceitos filosóficos. Além disso, fornece aos professores um recurso didático de apoio que facilita a construção do conhecimento filosófico.

Seguramente, a utilização deste manual preenche uma lacuna importante, como também sublinha a necessidade urgente de produzir outros materiais semelhantes em outras áreas do conhecimento.

O presente Manual oferece, portanto, uma estrutura organizada que auxilia na formação de um pensamento crítico, capacitando os alunos a questionar, a analisar e a compreender o mundo. Ao promover o debate e a reflexão, este contribui para a formação de cidadãos conscientes, preparados para participar ativamente na sociedade e enfrentar os desafios complexos do mundo moderno.

A publicação de uma versão digital do manual representa uma solução para que este seja acessível a todos tendo em conta o elevado custo das impressões e a difícil logística de enviar os exemplares para Cabo Verde. Além disso, a versão digital pode ser atualizada de forma rápida e eficiente, garantindo que os conteúdos sejam aprimorados em conformidade com as necessidades pedagógicas dos alunos.

Neste contexto, é fundamental que o Ministério da Educação de Cabo Verde reconheça a importância de investir na produção de mais manuais nacionais, não apenas para filosofia, mas para todas as disciplinas. Estes recursos são essenciais para assegurar que os alunos recebam uma educação de qualidade, adaptada às suas realidades e necessidades.

Aos pais, é crucial que incentivem os seus filhos a utilizarem este manual, reconhecendo o seu valor na formação académica e pessoal. Aos professores, cabe explorar o manual em toda a sua extensão, contribuindo para uma educação mais rica e significativa.

Que este seja apenas o primeiro de muitos recursos que venham a enriquecer o ensino e a aprendizagem no país.

O manual pode ser adquirido no site da Editora Autografia, na Amazon.com.br, ou diretamento com o autor. 

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Manual de Filosofia para o 10º ano de escolaridade em Cabo Verde

 

O Manual de Filosofia para o 10º ano de escolaridade, escrito por Arlindo Rocha e publicado pela Autografia Editora em 2024, é uma obra significativa para a educação em Cabo Verde. Este manual foi desenvolvido com o objetivo de fornecer uma base sólida em filosofia, abordando temas essenciais que promovem o pensamento crítico e a reflexão entre os estudantes.

Conteúdo e estrutura do manual

O manual é estruturado de forma a facilitar a compreensão dos conceitos filosóficos, sendo dividido em várias seções que cobrem desde a introdução à filosofia até questões contemporâneas. Cada capítulo apresenta uma combinação de teoria e prática, incluindo exercícios e questões de reflexão que incentivam os alunos a aplicar o que aprenderam. A obra também inclui referências a filósofos clássicos e contemporâneos, permitindo que os estudantes se familiarizem com diferentes correntes de pensamento.

Importância educacional

A criação deste manual é um marco importante na educação cabo-verdiana, especialmente porque a filosofia não era amplamente abordada no currículo escolar anterior. Arlindo Rocha, que é professor e pesquisador, destaca a importância da filosofia na formação do cidadão crítico e consciente. Ele argumenta que o ensino da filosofia é fundamental para o desenvolvimento do pensamento analítico e da capacidade de argumentação dos jovens, habilidades essenciais em uma sociedade democrática.

Desafios e reconhecimento

Apesar de sua relevância, Rocha expressou preocupação com a falta de apoio do Ministério da Educação em relação à implementação do manual nas escolas. Ele acredita que a adoção deste material poderia enriquecer o currículo e oferecer aos alunos uma nova perspectiva sobre questões éticas, políticas e sociais. O manual é, portanto, um recurso didático e um convite à reflexão sobre o papel da filosofia na educação e na sociedade cabo-verdiana.

Em resumo, o Manual de Filosofia para o 10º ano de escolaridade é uma contribuição valiosa para o ensino em Cabo Verde, promovendo uma educação que valoriza o pensamento crítico e a reflexão filosófica.

O Manual pode ser adquirido no site da Editora Autografia AQUI ou diretamente com o autor.


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sexta-feira, 14 de junho de 2024

Manual de Filosofia para o 10º Ano de Escolaridade em Cabo Verde


A escrita deste Manual de Filosofia para o 10º ano de escolaridade em Cabo Verde foi impulsionada por uma profunda convicção sobre a importância do pensa - mento filosófico na formação de alunos críticos e reflexivos. 

O Manual foi didaticamente estruturado de forma a apresentar aos alunos a história do pensamento filosófico a partir do seu surgimento e evolução. 

O objetivo é despertar o interesse e a curiosidade dos alunos, incentivando-os a buscar respostas por meio da reflexão e do debate crítico. Com isso, pretende-se não apenas enriquecer a vida intelectual dos mesmos, mas também prepará-los para novos desafios, ajudando-os a tomar decisões, entender diferentes perspectivas e contribuir positivamente para a sociedade cabo-verdiana. 

Certamente, este Manual será uma ferramenta valiosa para promover uma geração de alunos que não apenas absorvem conhecimento, mas também o questionam e o contextualizam. 

Espera-se que este recurso possa suprir as necessidades didáticas e servir de material de estudo e pesquisa de forma a ajudar alunos e professores na nobre missão que é a de aprender e ensinar continuamente! 


Bons estudos! 
Dr. Arlindo Nascimento Rocha