Valores
civilizatórios
Dimensões históricas
para uma educação antirracista.
As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade do país.
Abdias Nascimento
Em linhas gerais, além de um
direito social, a educação tem sido entendida como um processo de
desenvolvimento humano. Como expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), a educação escolar corresponde a um espaço sociocultural e
institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura. A
princípio, estaríamos, então, trabalhando em solo pacífico, porque
universalista.
No entanto, como pondera Nilma
Lino Gomes, em certos momentos, “as práticas educativas que se pretendem iguais
para todos acabam sendo as mais discriminatórias. Essa afirmação pode parecer
paradoxal, mas, dependendo do discurso e da prática desenvolvida, pode-se
incorrer no erro da homogeneização em detrimento do reconhecimento das
diferenças” (GOMES, 2001, p. 86). Ao localizarmos o conceito e o processo da
educação no contexto das coletividades e pessoas negras e da relação dessas com
os espaços sociais, torna-se imperativo o debate da educação a serviço da
diversidade, tendo como grande desafio a afirmação e
a revitalização da autoimagem do povo negro.
Como linha mestra da maioria
das coletividades negras, o processo de educação ocorre a todo o tempo e se
aplica nos mais diversos espaços. Afora isso, em resposta à experiência
histórica do período escravista, a educação apresentou-se como um caminho
fértil para a reprodução dos valores sociais e/ou civilizatórios das várias
nações africanas raptadas para o Brasil e de seus descendentes.
A partir do século XVI, as
populações negras desembarcadas no Brasil foram distribuídas em grande
quantidade nas regiões litorais, com maior concentração no que atualmente se
denomina regiões Nordeste e Sudeste, cujo crescimento econômico no decorrer dos
séculos XVII, XVIII e XIX foi assegurado pela expansão das lavouras de
cana-de-açúcar... Esse processo garantiu aos senhores de engenho e
latifundiários um grande patrimônio, enquanto, em precárias condições de vida,
coube ao povo negro, em sua diversidade, criar estratégias para reverenciar
seus ancestrais, proteger seus valores, manter e recriar vínculos com seu
lastro histórico, a “África Genitora” (LUZ, 1997) – assim como reconstruí-la
sob o espectro da resistência.
Até 1888, ano da abolição
formal da escravidão no Brasil, por meio da chamada Lei Áurea, a população
negra escravizada vivenciou a experiência de ter seus poucos direitos,
assinalados em vários documentos oficiais, sob a tutela dos senhoras de terra e
do Estado (CHALHOUB, 1990; MATTOS, 1997). No entanto, a série de barreiras
forjada nesse contexto não impediu as populações negras de promover a
continuidade de suas histórias e suas culturas, bem como o ensinamento de suas
visões de mundo.
Nas formas individuais e
coletivas, em senzalas, quilombos, terreiros, irmandades, a identidade do povo
negro foi assegurada como patrimônio da educação dos afro-brasileiros. Apesar
das precárias condições de sobrevivência que a população negra enfrentou e
ainda enfrenta, a relação com a ancestralidade e a religiosidade africanas e
com os valores nelas representados, assim como a reprodução de um senso de
coletividade, por exemplo, possibilitaram a dinamicidade da cultura e do
processo de resistência das diversas comunidades afro-brasileiras.
Aos 118 anos que nos separam
da Lei Áurea não foram suficientes para resolver uma série de problemas
decorrentes das dinâmicas discriminatórias forjadas ao longo dos quatro séculos de regime
escravocrata. Ainda hoje, permanece na ordem do dia a luta pela participação equitativa
de negros e negras nos espaços da sociedade brasileira e pelo respeito à
humanidade dessas mulheres e homens reprodutores e produtores de cultura. Com essa
finalidade setores da sociedade civil têm atuado intensamente contra o racismo
e as discriminações raciais, tomando a linguagem africano-brasileira como
ancoragem e lapidando as relações sociais emergentes no entrecruzar dessa
cultura com a cultura eurocêntrica da sociedade (LUZ, 1997).
Ler mais em:
Eliane Cavalleiro.
Coordenadora-Geral de
Diversidade e Inclusão Educacional.
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